O Ministério Público encontrou a contabilidade secreta da Máfia do Asfalto, organização que teria se infiltrado em pelo menos 78 municípios da região noroeste do Estado de São Paulo para fraudar licitações com recursos de emendas parlamentares.
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Em um pendrive apreendido na residência do contador Ilso Donizete Dominical, foi identificada planilha com nomes de políticos – a maioria do PT -, datas e valores supostamente repassados a eles em 2011. O montante atinge R$ 3,048 milhões. Para promotores de Justiça que desarticularam a quadrilha, o documento representa “indicativo de possível contabilidade do pagamento de propina a alguns parlamentares”. As informações estão publicadas na edição desta quarta-feira do jornal O Estado de S. Paulo.
A tabela está encartada no apenso 16, volume III, da denúncia de 252 páginas que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Núcleo São José do Rio Preto, entregou à Justiça, há dois meses.
Os promotores pedem a condenação de 30 acusados. Eles não incluem nenhum nome que consta da planilha do contador porque a competência para eventual investigação sobre prefeitos e parlamentares é do Tribunal de Justiça do Estado e do Supremo Tribunal Federal.
A Operação Fratelli, que desmantelou a Máfia do Asfalto, foi desencadeada em abril por uma força-tarefa do Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal e Polícia Federal. Na casa de Dominical, em Votuporanga (SP), os investigadores recolheram arquivos digitais.
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Dominical é contador do Grupo Demop, controlado pelo empresário Olívio Scamatti, preso há quase 7 meses sob acusação de liderar a Máfia do Asfalto. A Scamatti & Seller e a Scan Vias, empreiteiras do grupo, teriam sido o carro-chefe da Demop para vencer licitações supostamente fraudadas. O desvio poder ter alcançado R$ 1 bilhão.
O documento que cita políticos é uma planilha Excel de quatro colunas, 81 linhas e 22 nomes, nem todos grafados por extenso, alguns abreviados e outros anotados incorretamente. Em certos trechos são mencionadas apenas cidades paulistas – Campinas, Embu, Juquitiba, Santa Adélia e São Paulo -, além do Estado do Tocantins.
Os políticos que tiveram seus nomes lançados no documento surgem em outras passagens da investigação – uns foram citados em interceptações telefônicas de terceiros, empresários e servidores públicos envolvidos na trama, outros aparecem como destinatários de cartas de prefeitos em busca de recursos financeiros para obras em rodovias e recapeamento asfáltico.
Dezenas dessas correspondências foram apreendidas na casa do lobista Osvaldo Ferreira Filho, o Osvaldin, que foi assessor na Assembleia Legislativa e na Câmara do deputado Edson Aparecido (PSDB), atual secretário-chefe da Casa Civil do governo Geraldo Alckmin.
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“Conversas telefônicas mantidas mais recentemente por Osvaldo, captadas pela Polícia Federal, revelam que ele também faz pagamentos de propinas para o grupo”, diz a denúncia.
Os promotores não imputam corrupção ou outro crime aos parlamentares. Enviaram à Procuradoria-Geral de Justiça e à Procuradoria-Geral da República o que está relacionado a eles.
O resultado de quase cinco anos de investigação está nos autos da Fratelli. “O esquema de fraudes a licitações guarda uma indissociável vinculação com a transferência de recursos para municípios via convênios com órgãos dos governos estadual e federal, recursos oriundos em boa parte de indicação de parlamentares”, destacam os promotores do Gaeco.
Eles alertam sobre “verdadeira corrupção no processo de destinação de recursos”. “(Scamatti) nitidamente intervém junto a autoridades para que esses recursos sejam destinados para os municípios em que serão realizadas as licitações de que resultará a contratação das empresas da família Scamatti, garantida graças ao direcionamento daquelas licitações.”
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Os promotores apontam para a ação de parlamentares, com uma ressalva: “A despeito da indispensável intervenção de autoridades de foro privilegiado (deputados e prefeitos) ou de seus assessores para que fosse levada a bom termo a destinação de recursos para os municípios que promoveram as licitações que foram fraudadas, como bem se depreende pela análise das conversas telefônicas com parlamentares, não foram encontrados elementos de convicção a sustentar que essas autoridades que gozam de foro especial por prerrogativa de função sejam integrantes da quadrilha, ou seja, de que mantivessem com Olívio Scamatti e seus pares vínculo estável para prática de crimes em profusão.”
Os promotores, porém, sugerem: “Eventual responsabilização dessas autoridades pelas condutas pontuais que por si só configurem crime distinto do de formação de quadrilha há de ser objeto de procedimento autônomo, nas instâncias competentes”.
Envolvidos negam ligação com responsáveis por fraudes
A maioria dos parlamentares citados na planilha de Ilso Dominical, contador do Grupo Demop, negou qualquer tipo de relacionamento com as pessoas apontadas pelo Ministério Público como integrantes do grupo acusado de fraudar em licitações. O Estado procurou nove deputados citados no documento anexado à denúncia do Ministério Público. Apenas o deputado federal Devanir Ribeiro (PT) não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem.
Segundo as investigações da Operação Fratelli, que desvendou a organização supostamente liderada pelo empreiteiro Olívio Scamatti, os denunciados se valiam de emendas parlamentares, federais e estaduais, para angariar recursos para obras contratadas por administrações municipais em meio a licitações que teriam sido fraudadas. A suspeita é que parte do dinheiro enviado às cidades acabava desviada.
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Os deputados Carlos Cezar (PSB), Arlindo Chinaglia (PT), Enio Tatto (PT) e Jefferson Campos (PSD) afirmaram não conhecer o dono do grupo Demop, o empresário Scamatti, nem Osvaldo Ferreira, o Osvaldin, apontado pelo Ministério Público como lobista do grupo.Scamatti é acusado pelos promotores de liderar a organização para fraudes com recursos de emendas parlamentares. Osvaldin é suspeito de pagar propinas e fazer a intermediação do grupo com os agentes públicos, prefeitos e deputados.
– Não tenho e nunca tive relacionamento com nenhuma das pessoas citadas – declarou o deputado estadual Carlos Cezar (PSB-SP), que aparece na planilha ao lado do valor R$ 150 mil e os meses agosto e setembro de 2011.
Arlindo Chinaglia repudiou taxativamente a menção a seu nome no documento apreendido pela Operação Fratelli. Ele pediu à Procuradoria-Geral da República e à Polícia Federal que investiguem a inclusão de seu nome no caso.
– Não conheço nenhuma das pessoas envolvidas. Requeri à Procuradoria e à Polícia Federal a abertura de inquérito para investigar de forma aprofundada as eventuais citações acerca de meu nome – afirmou.
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Otaniel Lima (PRB), Geraldo Vinholi (PSDB) – hoje prefeito de Catanduva (SP) – e João Antonio (PT) admitiram conhecer Osvaldin.
João Antonio, hoje exercendo a função de secretário de Relações Governamentais de Fernando Haddad (PT) na Prefeitura de São Paulo, disse que recebeu dinheiro de Scamatti a título de doação de campanha para deputado estadual em 2010.
Doação
“A empresa Scan Vias fez uma doação de R$ 180 mil em 4 de outubro de 2010, por meio de transferência eletrônica, para a campanha eleitoral de João Antonio para deputado estadual, conforme consta da sua prestação de contas entregue e aprovada pela Justiça Eleitoral”, informou o petista por meio de sua assessoria de imprensa.
O criminalista Guilherme San Juan, que defende o contador Ilso Dominical, disse que o caso está sob sigilo, por isso não poderia se manifestar.
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– Posso assegurar que meu cliente sempre atuou de forma rigorosamente ética e jamais praticou qualquer ato ilícito. São empresas grandes, que geram milhares de empregos – destacou San Juan, que está preocupado com o destino das empresas do Grupo Demop.
Alberto Zacharias Toron, advogado criminal que defende Olívio Scamatti, observou que não foi intimado sobre a existência da planilha do contador. “Só vou me manifestar após ter acesso a ela (planilha)”, disse.
Toron está empenhado em tirar Scamatti da prisão:
– Estamos aguardando julgamento de habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3), que cuida do excesso de prazo na prisão. Não houve fraude em nenhuma licitação.