A série Órfãos do Brasil reavivou dores profundas guardadas por mães catarinenses. Sofrendo em silêncio, elas buscavam pelos filhos, entregues ainda bebês a quadrilhas de adoções. Movidas pelo desejo de reparar um erro do passado, revelaram segredos reprimidos pelo medo do julgamento da sociedade. O passado revivido nas páginas do DC multiplicou histórias de mães, filhos, tios e irmãos que nunca desistiram de encontrar familiares.

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Com uma ponta de esperança, Marilde Ferreira, 47 anos, procura traços em jovens mulheres. Uma delas poderia ser a filha entregue ainda na maternidade de Tijucas, onde mora. Imagina uma moça loura e de pele clara. No desespero, deixou-se levar pela lábia do médico. Jovem e sem apoio do pai da criança, e com outro fi lho para criar, foi convencida a “doar” a recém-nascida.

_ O médico me disse que era uma menina e bem clarinha. Foi uma cesária, não consegui ver. Logo depois me deram um papel para assinar _ lamenta.

Ao sair da Maternidade Chiquinha Galotti, logo o arrependimento tomou conta. Procurou nos cartórios da região registros de crianças nascidas naquele hospital no dia 20 de janeiro de 1984. Do médico que a convenceu a entregar a criança obteve uma resposta fria.

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_ Ele disse que não tinha como lembrar da minha filha, pois foram muitas crianças que passaram pela mão dele.

Ao ler o drama contado por outras mães na reportagem, Marilde teve coragem de narrar a história sufocada por 28 anos. Nervosa, esfregava as mãos e secava as lágrimas.

_ Não espero que ela me aceite ou me abrace… quero saber onde ela está _ diz.

Em Palhoça, numa casa humilde, Ivete Aparecida Ribeiro, 36 anos, vive o mesmo drama. Deprime-se ao falar do filho, Leonardo, entregue a um médico no Paraná. Em 1998, em Caçador, onde morava, teve um dos piores momentos de sua vida, quando, em meio a uma tempestade de problemas familiares, uma estranha se aproximou oferecendo ajuda. Casada, mas sem a presença do marido, com um filho mais velho para criar, entrou em desespero.

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_ Um dia não tinha nada para comer, foi quando conheci uma mulher e resolvi que iria dar a criança _ lembra Ivete.

A mulher disse que conhecia um médico que ficaria com a criança. Ivete achou uma boa ideia, pois a estranha lhe disse que sempre poderia visitar o filho. Uma semana antes de ganhar o bebê, foi levada para o apartamento do médico em Curitiba. A criança nasceu na clínica dele. Dois dias depois, mãe e filho foram separados.

Logo depois, eclodiu na cidade de Caçador o escândalo das adoções. Quadrilheiros foram presos, o médico foi processado, mas não cumpriu pena. Ivete até hoje não tem notícias do filho.

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_ Eu fi quei uma semana na casa deles (médico e sua mulher) e nem me passou pela cabeça algo assim. Eles me tratavam bem. Saí do hospital sem a criança e sem os documentos _ conta Ivete, que morava em Caçador, de onde saiu para dar à luz o filho em Curitiba.

Restou a ela o cartão com o número do bebê entregue a médico prontuário do SUS. jamais foi visto pela mãe.