Recentemente, Carmen Garcia voltou a relatar os eventos da jornada de sua família de El Salvador aos Estados Unidos: agressões, roubos, abandono pelos coiotes.

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E então, ela e seu filho de 12 anos foram detidos por policiais federais no sul do Texas. Depois passaram uma noite no chão de uma cela, as autoridades os libertaram e permitiram que eles se reunissem com outro filho em Nova York – desde que eles comparecessem a um escritório local da imigração.

Conforme as instruções, em julho os dois compareceram a um edifício onde um dispositivo de rastreamento foi afixado ao tornozelo de Garcia, medida destinada a garantir que não desapareça enquanto ela e o filho enfrentam os procedimentos de deportação.

– Eu perguntei, “Por que vocês estão colocando isso em mim? Não somos assassinos. Não somos ladrões. Viemos para salvar nossas vidas – contou Garcia, de 40 anos.

Garcia é um dos mais de 55 mil adultos viajando com menores, geralmente mães com seus filhos, que foram presos ao longo da fronteira do sudoeste entre outubro e junho – frente a 9.350 no mesmo período do ano anterior. O governo dos Estados Unidos, no entanto, possui menos de 800 espaços para deter famílias.

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Como resultado, a Casa Branca declarou que irá expandir as alternativas de detenção, incluindo o uso de monitores eletrônicos de tornozelo, decisão que desencadeou um debate – parte de uma discussão mais ampla, nacional, sobre se esses imigrantes devem ser tratados como criminosos ou refugiados.

No geral, o governo e alguns defensores dos imigrantes concordam que os monitores economizam dinheiro, são uma alternativa humana à custódia e, em alguns casos, são necessários para obrigar o imigrante a comparecer em tribunal.

Mas muitos discordam sobre a frequência com que os monitores de rastreamento devem ser usados. Autoridades dizem que eles são necessários porque é difícil determinar se uma pessoa oferece risco de fuga ou se tem histórico criminal em seu país nativo. Outras organizações de defesa argumentam que eles estigmatizam muitos imigrantes que estão fugindo da violência, a maioria dos quais possui um forte incentivo para comparecer aos procedimentos de imigração – pois estão procurando asilo.

– De forma alguma podemos classificar essa população como criminosos. Essas pessoas são mães com crianças muito pequenas, que estão fugindo da morte – disse Michelle Brané, diretora do programa de direitos e justiça de migrantes na Women’s Refugee Commission, grupo de apoio localizado em Nova York.

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Os monitores de tornozelo fazem parte do arsenal do governo desde 2004 para tentar garantir que os imigrantes compareçam ao tribunal. A agência Immigration and Customs Enforcement supervisiona o programa de tornozeleiras, mas contrata uma empresa privada para administrá-lo.

No início de julho, a empresa estava monitorando 7.440 imigrantes usando os dispositivos, um pequeno aumento frente aos 7.297 do ano anterior. Um porta-voz da Immigration and Customs Enforcement, Vincent Picard, declarou ser “razoável deduzir” que o uso das tornozeleiras aumentaria agora que mais migrantes são apreendidos na fronteira.

Os monitores usam tecnologia de posicionamento global e são aplicados a pessoas com 18 anos ou mais, segundo funcionários da imigração. Mulheres grávidas ficam de fora.

As tornozeleiras fazem parte de um programa mais amplo de rastreamento, que também inclui telefonemas de verificação e visitas domiciliares sem aviso prévio. O programa, focado em pessoas enfrentando deportação, atualmente monitora cerca de 24 mil pessoas.

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O custo de colocar uma pessoa no programa é drasticamente menor do que o da detenção, segundo funcionários da imigração. E quase 100 por cento dos monitorados compareceram ao tribunal nas datas determinadas neste ano fiscal.

Mas o uso de tornozeleiras também vem sendo considerado desigual. Uma análise do programa, publicada em 2012 pela Rutgers-Newark School of Law Immigrant Rights Clinic e pelo American Friends Service Committee, concluiu que ele era prejudicado por “um uso excessivo, e uma aplicação inconsistente”, levando a “um ônus físico, psicológico e econômico sobre os participantes do programa”.

Autoridades de imigração afirmaram que os monitores eletrônicos são aplicados somente após uma triagem cuidadosa, avaliando se eles são necessários para obrigar um determinado indivíduo a comparecer ao tribunal. Na maioria dos casos, segundo funcionários, migrantes que provam que comparecerão ao tribunal acabam tendo seus dispositivos removidos.

Embora o aumento de crianças desacompanhadas entrando no país tenha gerado um debate nacional, o número crescente de famílias detidas também vem criando um desafio para o governo federal.

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Dois centros, um na Pensilvânia e outro no Novo México, têm espaço para menos de 800 detentos, embora o governo tenha planos de abrir um terceiro centro no Texas com espaço para cerca de 500 pessoas.

Garcia disse não ter sido informada sobre o motivo de precisar usar a tornozeleira. Ela morou nos Estados Unidos de 1989 a 1998, mas nunca havia sido presa ou deportada, garantiu ela.

Seu monitor de tornozelo precisa ser conectado a uma tomada por no mínimo duas horas ao dia para ser recarregado.

Se ela cruzar fronteiras estaduais, ele emitirá um bip contínuo e mostrará uma mensagem solicitando que ela retorne para sua “zona permitida”, explicou um funcionário federal da imigração.

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Na casa de um amigo, Garcia estava sentada com a perna presa a uma tomada. Ela e seu filho Alexander fugiram de El Salvador depois que ela testemunhou o assassinato de um sobrinho, contou ela, acrescentando que os assassinos ameaçaram suas vidas.

A viagem durou mais de um ano – Garcia trabalhou ao longo do caminho -, e o único item que restou de sua caminhada é um sutiã cor de café, que ela chamou de “relíquia”, um vestígio sagrado de seu passado.

Ela disse que a tornozeleira é quente, incômoda e desnecessária para assegurar que ela compareça ao tribunal.

Alguns imigrantes, porém, optam por ver os monitores como um pequeno preço a pagar por sua liberdade.

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Patricia Meza, de 31 anos, era proprietária de um café em El Salvador. Quando uma gangue lhe exigiu o pagamento de 375 euros por mês como um tipo de imposto, ela fechou o negócio, viajando pelo México no topo de um trem com suas duas filhas – uma com 10 anos e a outra com 10 meses.

Após serem detidas perto da fronteira, elas passaram duas noites em custódia federal no Texas. Então foi-lhes permitido ficar com a mãe de Meza em Nova York, desde que elas comparecessem a um escritório de imigração.

Deixando sua entrevista com um dispositivo de rastreamento preso a sua perna, Meza abraçou as filhas e bebeu um refrigerante oferecido por um amigo.

– Isso é apenas parte do processo. Minha vida começa a partir de agora – disse ela.