Roberta Siqueira encontrou o futuro pai de seu filho em um consultório médico. Era jovem, alto e saudável. Ela bem que queria conhecê-lo melhor, mas jamais saberá além do que consta no perfil dos doadores anônimos do banco de sêmen. Não importa: esse para sempre estranho lhe garantiu o sonho de ser mãe. E quando Franco, que nasceu em fevereiro, lhe perguntar sobre o pai, a procuradora do Estado de 37 anos já sabe o que irá responder:

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– Mamãe queria muito te ter, mas não encontrou quem pudesse levar esse projeto adiante, daí te teve sozinha.

Um contingente cada vez maior de mulheres subverte a ordem convencional, em que primeiro viria o amor, depois o casamento e, por fim, os filhos. No Pro-Seed, banco de sêmen privado com sede em São Paulo e que atende clínicas de diferentes estados do país, as solteiras já representam 30% da demanda – há cinco anos, o percentual era de 1%. São mulheres beirando os 40 anos, com estabilidade financeira e desejo de ser mãe – independentemente de ter um par ou não. Muitas sequer desejam se casar um dia, e as que pretendem se sentem pressionadas pelo tempo: até conhecer alguém e chegar à hora de discutir a ideia de ter filhos, estariam no limiar da vida fértil.

– Mais do que em maior número, essas mulheres chegam com mais naturalidade ao consultório. Algumas vêm até com a mãe ou a irmã – diz o especialista em reprodução humana assistida Edson Borges Junior.

Claro que ideia de família como pai, mãe e filhos permanece o parâmetro social – Roberta teve de reivindicar o direito de ter sua irmã na sala de parto enquanto uma funcionária repetia que a norma do hospital é que somente o pai teria esta permissão. Mas as mulheres de classe média que optam por ser mães solteiras defendem a legitimidade desse arranjo familiar, como mais um possível entre aqueles formados por separações, recasamentos e uniões homoafetivas.

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– As pessoas têm o direito de buscar seu próprio caminho para a felicidade. A estrutura da família tradicional está se modificando e não há por que reproduzir o mesmo modelo nessas novas possibilidades de arranjos familiares – pontua Verônica Chaves, psicóloga do Juizado da Infância e da Juventude.

Trata-se de um passo além da produção independente como um ato de rebeldia para a geração setentista do “É proibido proibir” e prova de autossuficiência das mulheres que vestiram tailleur para disputar o mercado de trabalho nos anos 80. É o que afirma a doutora em Psicologia e coordenadora da Pós-graduação da Universidade de Pernambuco, Maria Cristina Amazonas, que pesquisa as famílias monoparentais:

– Antes, a produção independente era quase uma bandeira. Hoje, é feita de forma mais responsável. Boa parte das mulheres tem estabilidade econômica, sabe da responsabilidade que está assumindo e a mudança que isso vai provocar em sua vida.

Como Maria Cristina atestou em seu estudo, a queixa da sobrecarga é frequente, mas não o arrependimento. Há nove anos, quando deu à luz um menino, fruto de uma inseminação por doador anônimo, uma professora universitária de 51 anos, que prefere não se identificar, sabia que boa parte de seu tempo e seus ganhos seriam do filho sonhado:

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– Na questão financeira, tinha uma vida quase de rainha, e agora virei plebeia (risos). É preciso abrir mão de muita coisa, mas me sinto realizada.

A funcionária pública federal Claudia Damian Fernandes, 41 anos, realizou seu projeto de maternidade em março do ano passado, mas por outra via: estava entre as cerca de 9% de mulheres solteiras que aguardam na fila de adoção no Brasil, em iguais condições com os casais, quando teve a chance de se tornar mãe de Caroline, sete. Desde então, passou a equilibrar os gastos e restringiu a vida social para dedicar mais tempo à filha, o que, reconhece, diminui as chances de conhecer um namorado. Mas, quando elogiam sua coragem, ela acha até estranho:

– Foi muito natural. E é maravilhoso ouvir minha filha me chamar de mãe. Como tantas mulheres separadas, viúvas ou mesmo casadas, as palavras-chaves no dia a dia das mães solteiras são “rede de apoio”. Além de babás e creches, contam com a ajuda de avós, tios e dindos da criança – até para servir como figuras masculinas de referência.

Até agora, Roberta Siqueira considera-se uma mãe solteira, não sozinha: amigos e familiares disputam a chance de cuidar de Franco, e a mãe do dindo do bebê pleiteou o posto de avó.

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O especialista em reprodução assistida Nilo Frantz já ajudou muitas mães solteiras a formar uma família. Mas acredita que os constantes avanços da medicina poderão fazer dessa uma opção menos frequente. Frantz aposta que a escolha da inseminação artificial por um doador anônimo perderá espaço para a possibilidade já existente de congelar óvulos e adiar a maternidade. Assim, defende ele, as mulheres teriam mais tempo até para encontrar alguém com quem dividir a decisão de ter um filho:

– Chega no consultório uma mulher de 35 anos para fazer uma inseminação, mas, quem sabe, aos 45, ela estará apaixonada e poderá ter o filho com o homem da vida dela?

Eduardo Passos, especialista em reprodução assistida e coordenador da Comissão Científica da Associação Latino-americana de Medicina Reprodutiva, acredita que a procura pelo congelamento de óvulos deverá aumentar, mas sem que a inseminação para solteiras deixe de crescer.

– São dois perfis: as solteiras que buscam o congelamento querem uma reserva na perspectiva de vir a ter um parceiro. As que buscam a reprodução assistida estão decididas, inclusive quanto à ideia de não ter um parceiro.

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Roberta não tem intenção de um dia se casar, mas já planeja o segundo filho. Está na fila de adoção e, provavelmente, pouco ou nada saberá dos pais biológicos do caçula. Agradecerá mais uma vez a estranhos por sua família.

:: Roberta Arabiane Siqueira, procuradora do Estado, 37 anos, deu à luz Franco em fevereiro

“Minha mãe criou minhas duas irmãs e eu praticamente sozinha. Então, nunca me foi pesada a ideia de embarcar na maternidade sozinha: família para mim não é sinônimo de casamento, mas de filhos. Não me imagino casada, nunca tive o sonho de casar e ter um marido. Mas tinha o sonho de ter um bebê, então fiz uma inseminação com doador anônimo. Quando disse para minha família que estava grávida, ninguém perguntou quem era o pai. Sabiam que eu não estava namorando. Foi uma alegria muito grande: para eles, não interessava de onde vinha, interessava que era meu filho. Um dia, quando o Franco me perguntar como ele nasceu, vou dizer a verdade: a mamãe queria muito te ter, mas não encontrou ninguém que pudesse levar esse projeto adiante, daí a mamãe te teve sozinha.”

:: Claudia Damian Fernandes, funcionária pública federal, 41 anos, que adotou Caroline, sete, no ano passado

“Sempre quis ser mãe adotiva, sempre achei mais interessante do que ser mãe biológica, até pela questão social, de haver muita criança no mundo, e por eu não sentir a necessidade de que um filho nascesse da minha barriga. O difícil era pensar qual seria o momento ideal. Fui casada duas vezes, mas, na época, não pensava em ter filhos. Eu me achava nova e pensava que filho era para quando já tivesse vivido algumas coisas e construído um patrimônio. Mas nunca pensei que deveria ser necessariamente quando eu estivesse com alguém. Adotei a Caroline em março do ano passado. Hoje meu final de semana passou a ser com a ela, até porque não temos tanto tempo durante a semana. Como mãe solteira, a vida social diminui, mas não se acaba. Restringiu-se, apenas. E não descarto voltar a ter um relacionamento estável, mesmo morar junto – a única questão é que inverti o curso natural da história, tive filhos primeiro. Minha filha pergunta se o meu príncipe terá que ser um cara legal, e respondo que sim – e que deverá gostar de criança.”

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