Após perder o filho de oito anos de maneira trágica — João Machado foi atropelado por um caminhão enquanto passeava de bicicleta pela praia em Imbituba, no Sul de SC —, a professora Karenn Ramísia, 46 anos, pensou que seria insuportável lidar com o luto. O que ela não esperava é que contaria com o apoio de várias pessoas que pagaram sua terapia e até acamparam na casa da família. Esse carinho deu forças para ela lutar por justiça.

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Moradores de Florianópolis, os familiares de Karenn costumam passar férias em Imbituba. No dia 4 de janeiro, João, filho caçula dela, estava andando de bicicleta na praia de Itapirubá Norte, acompanhado dos avós, quando foi atropelado por um caminhão. A criança morreu na hora.

Karenn, que é professora do Ensino Fundamental, estava em Florianópolis quando recebeu um telefonema com a informação de que o filho havia sofrido um acidente. 

— No primeiro momento, eu não entendi como tinha acontecido. Eu estava em casa e recebi a ligação, me arrumei achando que ia pra UTI. Atropelado por um caminhão, grave foi, mas eu não imaginava um caminhão daquele porte. É um caminhão gigante, com aterro dentro. Chegando lá, eu comecei a entender, mas penso que foi bom não ter entendido antes, porque se não eu não daria conta de passar aquela noite entre Polícia Civil e IGP — relata a mãe. 

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Karenn conta que teve que se manter forte para resolver todas as burocracias naquela noite. Ela lamenta não poder ter se despedido de João:

— A última memória que eu tenho, e pra mim é uma das situações mais dolorosas, é dele dentro do carro, fazendo um coração. Quando eu penso que não me despedi, eu lembro dessa cena. 

Karenn com os filhos João e Luiza
Karenn com os filhos João e Luiza (Foto: Karenn Ramísia/Arquivo Pessoal)

Rede de apoio 

A notícia da morte inesperada impactou Karenn, o marido Thiago, a filha Luiza, de 20 anos, e os avós de João, mas a família contou com uma rede de apoio tão grande desde os primeiros dias, que o luto ficou um pouco suportável.

Na noite após o funeral, a professora conta que começou a entrar em pânico. As amigas da filha da época do colégio se ofereceram então para ficar na casa da família e ajudar no que fosse preciso. 

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— Minha filha avisou que elas podiam vir e, em menos de meia hora, elas estavam lá. Meu sofá é pequeno. Nessa primeira noite tinham três meninas, e elas nem dormiram no colchão. Nós todas dormimos amontoadas no sofá. Depois elas continuaram vindo e tínhamos umas sete por noite — relata. 

Amigas da filha acamparam na casa da família
Amigas da filha acamparam na casa da família (Foto: Karenn Ramísia/Arquivo Pessoal)

Karenn conta que elas dormiram na casa da família durante um mês. Nesse período, as mães das meninas também iam à casa e se ofereceram para pagar pela terapia da professora. Desde a primeira semana do acidente, Karenn frequentou uma psicóloga voluntária. 

— Foi muito rápido, quando eu vi elas já tinham marcado terapeuta holística, a outra amiga marcou psiquiatra, acupuntura, massagem. Elas não me deixavam nem pensar muito, só diziam, “está marcado, tal horário tu vai lá”. 

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Essa movimentação, segundo a professora, mudou a energia da família. As meninas e as mães realmente cuidavam da família. Cozinhavam, levavam marmitas, e até faziam as unhas da mãe de Karenn. A professora disse que não esperava receber tanto apoio.

— Em sala de aula eu nunca trabalhei para receber algo em troca. Pra mim, o amor das crianças é o que recebo em troca. Mas a corrente é tão grande. Das amigas da minha filha, mães das amigas da minha filha. Pais dos meus alunos atuais e ex-alunos. Estou me sentindo tão cuidada, como quando o João veio ao mundo. 

Amigas cozinharam, ajudaram na limpeza e até fizeram a unha da avó
Amigas cozinharam, ajudaram na limpeza e até fizeram a unha da avó (Foto: Karenn Ramísia/Arquivo Pessoal)

Em busca de justiça 

O apoio que Karenn recebeu deu forças para ela lutar por justiça. A professora afirma que a morte do filho foi um crime de trânsito. No boletim de ocorrência, no entanto, o fato está descrito como “acidente de trânsito”.

Segundo o motorista de 64 anos, Helei Morais Pires, a morte de João foi um acidente. Ele explica que não viu ninguém na rua no momento em que estava manobrando e acabou atingindo a criança por causa do ‘ponto cego’ do caminhão.

— Eu estava fazendo a manobra do caminhão para descarregar no local e, no momento, não tinha ninguém na rua. Aí eu vim numa rua, desci à direita, voltei de ré pra entrar novamente à direita na mesma rua. Nesse trajeto que eu fiz, esse menino surgiu do nada e aí aconteceu o acidente. Caminhão é um veículo que tem muito ponto cego. Quanto mais visão a gente tiver, melhor seria — declarou o motorista.

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Quatro meses após a morte, Karenn presenciou a reconstituição simulada dos fatos, um processo que reproduz as circunstâncias e o ambiente da ocorrência. Segundo ela, a reprodução foi muito diferente do dia da morte.

— A estação do ano era outra, logo escureceu, o caminhão estava vazio, o mato cresceu muito. Então, é claro que a visibilidade do motorista não era a mesma com aquele mato. A cena era outra — diz ela. 

Caminhão no dia da reconstituição da cena
Caminhão no dia da reconstituição da cena (Foto: Karenn Ramísia/Arquivo Pessoal)

Segundo o delegado Juliano Baesso, que investiga o caso, a Polícia Civil aguarda o laudo da reconstituição simulada dos fatos, que será feito pelo Instituto Geral de Perícias (IGP), para então prosseguir com a investigação.

Depois da reconstituição, a professora decidiu fazer uma campanha pedindo justiça por João. Por meio de uma vaquinha online, a família conseguiu arrecadar dinheiro para colocar 12 outdoors em Imbituba, Garopaba e Tubarão, e pretendem colocar mais. O objetivo, segundo Karenn, é falar sobre a criação de leis, especialmente, sobre a instalação de câmeras nos caminhões de grande porte.

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— A legislação tem que mudar. Nada justifica uma criança estar parada do acostamento e um caminhão manobrar e atropelar de um modo tão violento que eu não pude nem me despedir do meu filho. Ele foi esmagado pelo caminhão. O caixão teve que ser lacrado — relata. 

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A professora diz que sua luta é para que isso não aconteça com outras famílias. Ela conta ainda que tem sido estimulada pelas terapeutas a falar sobre o seu luto e até pensa em escrever um livro para ajudar outras pessoas a passarem por esse momento tão difícil: 

— Não tem dor maior no mundo. Mas saber que através da minha vida eu posso salvar outras mães, tem me sustentado. Eu acho que é nesse movimento que eu fico de pé.