Até que ponto você chegaria para dar uma melhor educação para o seu filho? Em dias em que a qualidade das instituições de ensino é cada vez tema mais presente nos debates (sejam políticos ou de mesas de bar), encontrar uma história como a de Michele causa um misto de espanto e admiração.

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Todos os dias, Michele* pega o filho de sete anos pela mão e vai para a estrada pegar carona. São 80 quilômetros, de segunda a sexta-feira, com apenas um objetivo: dar uma boa educação para a criança.

Michele mora em Zimbros, um dos bairros da paradisíaca Bombinhas. Seu filho começou a frequentar a única escola da região, que fica no Bairro Morrinhos. Mas ela notou uma mudança no comportamento dele que a incomodava.

– Ele passou a ficar mais agressivo. Não era mais o mesmo garoto carinhoso de antes – comentou

Como psicopedagoga, ela diz que foi conversar com a escola e sugeriu algumas mudanças, como a implantação de uma horta, para que as crianças pudessem ter atividades diferentes das que têm apenas em sala de aula.

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Mas alega que não foi ouvida e que discorda dos métodos usados pelas professoras. Por isso, não teve dúvidas. Tirou o garoto da escola do bairro e o matriculou em um colégio particular. Porém só encontrou uma que considerou adequada em Balneário Camboriú.

Futuro

Por isso, todo dia por volta das 11h30min, ela sai com o filho de casa e, de carona, vai a Balneário Camboriú, e volta depois das 18h. Muitas vezes, consegue viajar com uma vizinha que trabalha em Itajaí ou com outras pessoas que já conheceu no caminho (veja carta). Às vezes precisa se dispor e, por isso, tem as placas com o nome das cidades de Porto Belo e Balneário Camboriú.

– Sei que é arriscado, mas eu cuido muito. Não entro em qualquer carro, não – comenta.

O próprio menino diz que gosta mais da nova escola. Passou a tratar a mãe com mais carinho e melhorou o relacionamento com outras pessoas.

– Eu gosto (da escola nova) porque brinco bastante. E a professora ensina mais do que antes – resume.

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Michele não tem carro. Mora sozinha com o filho e aguarda os papéis do divórcio litigioso. Não consegue trabalho e se vira como pode, dando aulas de inglês, vendendo perfume ou fazendo faxina e conta com a ajuda da família. A madrinha do filho é quem paga a escola. O irmão ajuda nas contas. Ela prefere a carona ao ônibus por dois motivos.

– Além de ser muito caro, ônibus é também muito demorado. São duas horas de viagem para chegar a Balneário Camboriú. Nosso sistema de transporte é muito ruim.

Ela também diz que procura um emprego em meio período para poder acompanhar o filho. Sobre isso, faz um apelo.

– Acho ruim que aqui no Brasil não tenhamos emprego em meio período, que é comum na Europa. Iria ajudar muita gente – acredita.

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Michele admite que, no ano que vem, deve procurar uma escola em Itapema. E, quando conseguir o divórcio, pretende voltar para a Europa, onde se formou como psicopedagoga.

– O Brasil é um país maravilhoso, mas as oportunidades no exterior são melhores. Aqui ainda poucos são privilegiados e não considero essa uma política social justa – critica.

Escola

A coordenadora pedagógica da Secretaria de Educação de Bombinhas, Karine da Graça Franzoi, diz que, desde o início do ano, foram iniciadas várias atividades extracurriculares em todas as escolas do município. Inclusive na Manoel José da Silva, no Bairro Morrinhos, onde o filho de Michele estudava. Entre elas, a horta comunitária, em parceria com a Fundação de Meio Ambiente do município.

– Temos ainda escolinhas de esporte e atividades culturais em todas as escolas e centros de educação infantil – diz Karine.

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Ela explica também que só não é possível ainda aumentar o número de atividades pela falta de espaço nas escolas. Por isso, o projeto de uma unidade que terá aula em tempo integral já está em Brasília.

* Nomes e imagens não estão sendo identificados a pedido da mãe

Veja o texto publicado no Facebook que inspirou a matéria

Marta Brancher Palhano, estilista e assessora parlamentar, faz o trajeto Balneário-Porto Belo diariamente

Sempre via uma mulher e uma criança pedindo carona com uma placa escrito Porto Belo. Me sentia mal por não dar carona. Ficava com aquela imagem na minha cabeça por muito tempo, me cortava o coração. Mas eu tinha medo. Ficava imaginando mil coisas. E logo eu que andei tanto de carona na minha adolescência. Meu pai nem sonhava, pois eu já morava sozinha. Ano passado que contei a ele minhas aventuras de carona, que eu saía de Concórdia e ia para Blumenau, Balneário Camboriú, Florianópolis, além de toda região do Oeste de Santa Catarina. Mesmo passados 20 anos, ele ainda me deu uma bronca e teve vontade puxar minha orelha.

Voltando ao caso. Em uma sexta-feira, a fila para entrar na BR-101, em Balneário Camboriú, estava imensa. Fiquei olhando para eles. O menino estava mais à frente, vestindo o uniforme da escola. Lembrou muito meu sobrinho. Tomei coragem, parei e dei carona. Conheci a Michele o filho. Ela psicopedagoga moradora de Zimbros, vem com o filho todos os dias para Balneário de carona com uma amiga ou com quem aparecer.

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Contou-me que tinha um trabalho, mas como as escolas lá de Bombinhas eram fracas e ela quer dar um futuro melhor para a criança, o matriculou em uma escola em Balneário. Ela disse que até tentou conversar com as escolas da cidade dela para ver se conseguia ajudar para dar uma melhorada, mas não teve êxito. Então ela não teve dúvida, procurou um lugar que ajudasse mais que construir o saber.

Ela não tem carro, vendeu o computador e não tem internet. Já procurou trabalho em BC no período da tarde enquanto o filho está na escola, mas ainda não conseguiu, devido, principalmente, aos horários. Para conseguir pagar a escola e a alimentação, ela faz de tudo um pouco – vende perfumes, faz faxina. E em meio a tudo isso, toda a segunda-feira à tarde é voluntária em um asilo.

Imaginem o quanto me emocionei, o quanto me senti péssima pelas vezes que não tive coragem de parar. O menino é lindo e a Michele, nem sei como descrever. Ela já entra no carro agradecendo muito, sorrindo. Parecia que nos conhecíamos há muito tempo. Ela sempre me via passando. Sozinha no carro, confesso que muitas vezes não olhava por doer muito meu coração. Deixei ela no sinaleiro do Bairro Perequê, em Porto Belo, pois ela disse que lá seria melhor para conseguir a próxima carona.

Geralmente são três caronas que eles precisam pegar, tanto na ida como na volta. Ela explicou também que usa a placa Porto Belo, pois para Bombinhas é muito raro alguém ir direto, aí acaba dificultando a carona. E não reclamou nem uma vez, ela estava feliz, agradecendo a tudo. Fico imaginando quantas mães que têm marido (ela é separada), carro, grana, empregada e, mesmo assim, vivem reclamando, dizendo que não têm tempo para nada, que não se preocupam nem em ajudar o filho a fazer a lição de casa, não ensinam sequer os filhos a serem educados, a respeitar o próximo.

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A Michele tem uma energia ótima, um sorriso encantador e é muito realista. Em meio a esse mundo corrido e cheio de notícias ruins acabamos deixando de conhecer, de ajudar pessoas muito legais e que merecem muito nosso carinho, que nos fazem pensar no que estamos fazendo, qual é nossa missão. A Michele faz parte de uma minoria que, ao invés de só ficar reclamando, vai atrás, luta pelos sonhos, por algo melhor. E não se importa nem um pouco em se sacrificar pelo bem do filho. Sei o quanto deve ser arriscado isso tudo, mas acredito que o anjo dela é bem forte.