Meu filho, dias atrás, selecionando imagens dos nove meses que passaste na barriga revisitei as lembranças da véspera da tua chegada, um ano atrás. Fomos do auge de dois chás de bebê com dezenas de convidadas ao chão de fazer fotos com a barriga gigante na sala de casa, tudo isso enquanto estavas protegido e se desenvolvendo.
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Sonhamos, planejamos, mas a realidade foi o que não era nem plano B. Porém, o mais importante tivemos: você. Teu choro ecoou pela maternidade às 18h29min do dia 29 de abril de 2020, um mês e meio depois de oficializada a pandemia de coronavírus. A partir dali, o mundo lá fora virou secundário. Passamos a viver pra nós, na nossa casa, com a atenção voltada para sobrevivência.
De cara você conheceu de perto o trabalho dos seus pais com o nosso home office. Se apaixonou tanto pelo nosso ofício que para de brincar ao ouvir a vinheta dos telejornais e observa as manchetes em silêncio.
Dançamos e cantamos a qualquer momento do dia, quando a tensão aumenta, desde que você era um pacotinho. Para nós, um alívio diante de um cenário desolador e indefinido da pandemia. Para você, remédio para a cólica e fortalecimento de apego e vínculo com seus pais. Hoje, é diversão. Você gargalha, repete nossos passos desconexos e até se arrisca nas letras com o beabá apaixonantemente enrolado.
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Seus movimentos de caminhada ainda cambaleantes são movidos pela curiosidade de colocar a mão em tudo, tocar as pessoas que nem conhece e colocar qualquer objeto na boca. Infelizmente, suas descobertas não coordenadas – mas naturais, deixam papai e mamãe arrepiados.
Logo corremos em busca do álcool gel, limitamos o contato e entretemos você com os seus próprios brinquedos. Aos poucos, está se acostumando a ficar no vácuo cada vez que eu chego da rua e você corre sorrindo e entoando “babás” e “dadás” para meus braços.
Não posso te abraçar de pronto, meu filho. Me desculpe. Faço isso sob pena de te transmitir um vírus ainda desconhecido por muitos.
Sabe aquele pedaço de pano que você adora arrancar do varal e brincar como se fosse uma meia? Chama-se máscara. É o que te impede de ver o sorriso de quem passa na rua em resposta a tua fofura e simpatia, ou de sentir a retribuição de estranhos quando a sua mãozinha manda beijos.
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Mas é o que tem nos protegido e garantido nosso contato com as pessoas lá fora. Logo você vai precisar usar também.
Porém, acreditamos, não será para sempre. Cientistas antes desvalorizados pela descrença da falta de investimento do poder público são ainda mais imprescindíveis para o futuro e trabalham incessantemente na busca de vacinas e remédios para essa doença.
Médicos e enfermeiros cuidam dos doentes como protegem seus familiares para que todos saiam ilesos e sem sequelas, aprimorando procedimentos que a medicina desenvolveu para tratamento. Como cidadãos, precisamos acreditar e exigir que políticos atuem nesta causa com a seriedade que ela merece para priorizar a nossa vida.
Você poderá brincar na pracinha, fazer amigos no prédio, ganhar colo de quem simpatizar e andar em direção ao mar na praia. Tenhamos paciência. Aqueles abraços que demoramos a nos dar quando nos encontramos ainda virão sem cessar.
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