Tatiane Vieira Deavila não conseguia acreditar no que estava vendo. Ao olhar a capa da edição do último domingo do Diário Catarinense, seu coração disparou ao avistar as fotos dos nove bebês. Com as mãos trêmulas, percorreu as imagens das crianças um dia levadas para Israel e estacionou os olhos numa delas, com uma covinha acentuada no queixo. Moradora de Joinville, ela identificou naquele rosto o bebê,de sua irmã Zuleide Aparecida Vieira entregue aos dois dias de vida. Ao fixar o olhar no queixo da criança não teve dúvidas e levou o jornal para a irmã. “Sim, é ela, é a milha filha Yael”, reconheceu Zuleide.
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– Quando vi a matéria fui direto na página das crianças – lembra Tatiane.
Datas como o aniversário dela e o da filha que entregou, em dia 1º de fevereiro de 1988, já não são mais motivos de alegria para Zuleide. Há 24 anos, ela espera rever a filha. Entregou-a aos dois dias de vida, ainda na Maternidade Darcy Vargas, para um suposto advogado. Depois disso, nunca mais a viu. Em um canto da casa, escondida dos outros filhos, chora de saudade. Ela reconstruiu a vida, casou e teve mais três filhos, dos quais dois ainda moram com ela, mas falta a filha.
Sabendo de todo o sentimento de Zuleide, Tatiane ficou impactada e até demorou um pouco para contar à irmã a notícia lida no DC. Com a repercussão do assunto na cidade, seria inevitável que a história chegasse aos ouvidos dela. Agora, Zuleide não dorme, angustiada, à espera de alguma informação. Não tem dúvidas: a menina levada para Israel e que concedeu entrevista à equipe do DC é mesmo a sua filha. Ela ficou poucas horas com a menina nos braços, na Maternidade Darcy Vargas, mas Zuleide nunca esqueceu os traços do bebê e muito menos o nome estranho ao português: Yael, escolhido pelo advogado quando estava grávida de oito meses. Os traços da face de Zuleide e Yael são semelhantes e também podem ser identificados na irmã mais nova, Sheila.
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– É um nome incomum. Não tenho dúvidas, meu coração diz que é ela – afirma a mulher, enquanto esfrega as mãos nervosa.
Em junho deste ano, quando a equipe do DC esteve em Israel e falou com Yael Stein, não passava pela cabeça da garota de olhar triste que o seu sonho pudesse ser realizado tão rápido. Ela contou sobre a vontade latente de conhecer a família biológica. Não se sentia completa, apesar de ter o apoio da mãe adotiva. Não estava feliz. Expressou até o desejo de morar no Brasil, pois queria saber se tinha mais irmãos, porque em Israel vive apenas com a sua mãe.
– Senti raiva da minha mãe adotiva, quando pequena, por ter me adotado. Hoje não tenho mais esse sentimento. É muito difícil lidar com isso, sempre estou em busca de quem sou – disse Yael à reportagem.
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Cheia de esperanças em reencontrar a família biológica, falou da vontade de dizer obrigado à mãe por ter lhe dado a vida. Procurava um sentido, uma continuidade, precisava desta descoberta. Em suas palavras, em hebraico, traduzidas por um amigo, dizia o quanto amava o Brasil e como não se sentia conectada a Israel.
” A vida inteira me arrependi”
No Brasil, Zuleide conta que engravidou aos 18 anos. Morava com os pais no Bairro Profipo, em Joinville. Jovem, sofreu as consequências de uma gravidez não planejada. O pai não aceitava que ela fosse mãe solteira. Ou ela entregava a criança ou teria que sair de casa. Pressionada, acabou cedendo à conversa de uma vizinha. Ela indicou um homem que sabia a quem entregar o bebê quando nascesse. Em dúvida, às vezes saía de casa pensando em fugir, mas tinha medo.
– Era um senhor de idade, muito simpático. Ele disse que seria melhor para a criança – lembra Zuleide.
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O acordo estava feito. Na maternidade, Zuleide não precisou levar nem roupa para a bebê. O homem que se apresentou como advogado cuidou de tudo. Por uma deficiência física, Zuleide teve que fazer uma cesariana, mas no registro consta parto normal.
Dois carros esperavam na porta da maternidade. O advogado conduziu Zuleide para casa, e a mulher dele levou Yael, já com roupas novas. Quando a filha nasceu, ela ficou desnorteada e não se deu conta de algumas pistas que denunciavam algo de errado. A criança só foi registrada no dia 13 de março, segundo Zuleide, na cidade de Campo Largo, no Paraná.
– Fui ao fórum com ele e percebi que ele era amigo de todos, mas quando falava algo sobre a adoção da minha filha se afastava para ninguém escutar – lembra.
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Logo depois de entregar a criança, o arrependimento tomou conta da mulher. É possível perceber o quanto o assunto ainda a machuca. Um ano depois foi chamada para prestar depoimento na Polícia Federal. Lá ouviu do delegado que foi vítima de uma quadrilha e que sua filha teria sido levada para Israel e nunca mais seria encontrada.
Zuleide passou, então, por uma fase difícil, e só foi reencontrar conforto, quando, na maturidade, formou uma família. Hoje é nos braços do filho mais velho, Kalleu Vieira de Souza, 15 anos, que chora quando a saudade aperta. Agora, com a notícia da localização de Yael, Zuleide não consegue segurar a emoção. Na casa da mãe, onde engravidou, recebeu a equipe do DC. Em uma curta mensagem, na qual Yael se apresenta ao Brasil, pôde ouvir pela primeira vez a voz da menina que acredita ser sua filha. Abalada, Zuleide precisou do apoio das irmãs e de um remédio para se acalmar.
– A vida inteira me arrependi. Não a dei porque eu quis. Cheguei a odiar meu pai pelo que ele me fez passar, mas eu também tive minha culpa, tive a minha responsabilidade nisso – desabafa Zuleide.
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Após reconhecer a filha, Zuleide gravou em vídeo uma mensagem para Yael. Ao receber, a garota que tanto sonhava em conhecer a mãe ficou apreensiva. Deixou para assistir ao vídeo neste fim de semana. A esperança de ambas é que um novo laço possa ser refeito após uma longa distância de 24 anos.
>> Confira o vídeo