Entre as cartas deixadas no trailer do Dr. Honesto, que vende produtos sem a presença de um atendente, às margens da BR-470, em Rodeio e Apiúna, uma foi feita por uma mãe que, sem dinheiro para comprar comida para os filhos, furtou alguns produtos. “Venho através desta informar que peguei algumas coisas para o café dos meus filhos, mas não vou roubar, quando eu tiver, prometo devolver”, escreveu em um pedaço de papel.

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Os bilhetes e cartas que Renato Lagatta, 59, coleciona desde a inauguração do trailer no Vale do Itajaí foram mostrados pelo Santa no especial ‘Os dois lados da BR-470’. Renato colocou um trailer em desuso próximo à rodovia há quase dois anos para vender os itens feitos pela esposa. O objetivo é angariar fundos para a casa de apoio que atende pessoas em situação de rua localizada atrás do primeiro ponto de vendas (já são três; dois em Rodeio e um em Apiúna).

Entre os papéis, o da mãe que sofreu com a crise durante a pandemia do coronavírus é um dos que mais marcou o proprietário. Para Renato, aliás, o objetivo do trailer também é esse: alimentar quem precisa, mesmo que isso signifique prejuízo ao caixa.

> Saiba mais sobre as “Cartas ao Dr. Honesto”

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Dentro da urna que recebe o pagamento dos quitutes, as notas e moedas se misturam aos recados. Muitos rabiscam uma espécie de recibo, outros parabenizam o dono pela coragem e atitude de criar o Dr. Honesto.

Renato lembra quando a primeira carta chegou. Era começo de 2020 e fazia poucas semanas que o trailer havia sido inaugurado. As pessoas ainda estavam se acostumando com o formato — e questionando muito se daria certo.

Estava mesmo. Renato já calculou e concluiu que “a gama de honestidade passa de 99%”. Ou seja, é possível ter lucro em um negócio que consiste em acreditar que quem parar e pegar uma pipoca, café, pão, geleia, cocada ou outros itens ali disponibilizados vai pagar a conta mesmo sem ser cobrado.

Xô, desonestidade

Renato e as cartas que coleciona do Dr. Honesto
Renato e as cartas que coleciona do Dr. Honesto (Foto: Patrick Rodrigues)

Menos de 1% dos “clientes” que aproveitam a falta de atendente para furtar mercadorias ou dinheiro deu dor de cabeça ao proprietário cerca de 15 vezes. São pessoas que simulam depositar a quantia, mas colocam na urna papel em branco; que enchem o carro de produtos sem pagar por nenhum ou que, mesmo a pé, carregam o que podem para trocar por drogas.

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Renato instalou uma câmera de segurança para visualizar todos esses episódios e poder entregar provas no momento de fazer o boletim de ocorrência. Às vezes, o comportamento social resulta em solução antes da conclusão do inquérito policial.

Já houve criminoso exposto nas redes sociais que precisou deixar a região por ficar conhecido como o “ladrão do Dr. Honesto”. Prova que a proposta deu tão certo que todos se sentem responsáveis pelo sucesso dela. Se o Dr. Honesto vai bem, ainda há esperança.