Correção: até as 17h38min deste domingo a reportagem informou equivocadamente que a filha primogênita de Julia chama-se Lorena, entretanto, o nome correto é Elaine. O texto já foi corrigido.
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Em meio a três cômodos da casa de madeira rústica na Comunidade do Mariscal, em Penha, Julia Goulart se divide, aos 54 anos, entre a angústia da separação e a esperança de reencontrar a filha doada 27 anos atrás. Era sábado, 24 de agosto de 1985, quando vieram as contrações do parto.
Uma conhecida da adolescência, que três meses antes havia convencido Julia a doar a criança, a levou de carro para o Hospital Santa Inês, em Balneário Camboriú. De parto normal, nascia a menina saudável, pele rosada, cabelos loiros levemente cacheados e olhos verdes. Julia evitou contatos com a menina e pediu ao obstetra que lhe fizesse uma laqueadura, para nunca mais engravidar.
Pronta para receber alta quatro dias depois, pegou a menina no colo para amamentar. Foi aí que sentiu o instinto materno tentando lhe fazer mudar de planos. Mas tudo estava combinado: um casal de advogados ficaria com a menina. A intermediária colocou mãe e criança no carro e estacionou a 40 metros do prédio onde o casal morava, de frente para o mar, na Avenida Atlântica.
– Não esquenta a cabeça porque ela vai ser muito bem de vida – convenceu a mulher.
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– Mas é para aquele casal mesmo? – retrucou Julia.
– Sim, são há muito tempo casados e não conseguem ter filhos. Você tem de doar porque fizeram laqueadura em você, gastaram com isso.
A mulher tirou a menina dos braços e entrou no prédio para entregá-la ao casal. Julia permaneceu no carro e nunca mais viu a criança. Estava com 27 anos e já tinha Elaine, de 7 anos, nascida de um relacionamento anterior. Nos primeiros dias do pós-natal, ficou na casa da intermediária, que a cuidou muito bem.
Corria em Itajaí o boato que a mulher sempre transportava grávidas de casa até o hospital, dava assistência, acompanhava os pré-natais. Duas semanas se passaram, e Julia lembra apenas de dois homens que chegaram com um livro preto para ela assinar.
Mais tarde, procurou a intermediária, convicta de que queria encontrar a menina de olhos verdes. Mas a mulher lhe tirou as esperanças ao garantir que a filha estava bem longe, no exterior, pelos lados de Israel ou Arábia Saudita.
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Julia sonha com o momento em que pedirá desculpas à filha
Desde então, nunca chegaram notícias da filha que Julia deixara em 1985. Todas as noites vêm à mente da mãe as lembranças da menina que pode ter sido levada para o exterior pelos traficantes de crianças que agiam em Santa Catarina no final da década de 1980.
Ao ver as mensagens deixadas pelos jovens de Israel, vítimas do tráfico de bebês, na série de reportagens publicada no Santa, Júlia renovou as esperanças.
– Tenho fé em Deus que vou encontrar minha filha. Imagino ela chegando aqui em casa, me dando um beijo e um abraço. Eu quero pedir desculpas para ela. Não tenho culpa disso. Eu era nova e só queria o bem dela.