Clarissa já havia desistido de ser mãe. A joinvilense aguardava a chance de chegar a sua vez na fila de adoção há oito anos e, ano após ano, voltava ao Fórum de Joinville para verificar como estavam as chances. Ela sabia que não seria fácil: no perfil que ela e o marido, Sebastião, haviam preenchido, eles tinham escolhido alguns dos critérios mais comuns e, portanto, os mais disputados entre os pais adotivos em potencial: menina, branca, saudável, de zero a dois anos.
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Não havia preconceitos nessa escolha, mas o desejo de ter em seus braços uma criança que poderia ter nascido do amor entre duas pessoas que, mais do que tudo, desejavam ser pais. Clarissa sabia, desde jovem, que não poderia ter filhos biológicos: ela foi diagnosticada com endometriose, submeteu-se a cirurgias e, por muitos anos, sofreu os efeitos desta doença. Foi Sebastião que, após algum tempo de tentativa, sugeriu que a adoção seria o melhor caminho para a realização deste sonho.
— Eu fazia tratamento, tentamos vários procedimentos, até que ele disse que seria menos sofrido se buscássemos a adoção. Sabia que seria demorado, mas esperava que levaria cinco, seis anos. Entramos com o pedido em 2012 e ficou aquela empolgação, até porque no ano seguinte já nos chamaram para fazer o curso — conta Clarissa.
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Os anos passaram-se sem que nenhuma ligação chegasse, a não ser aquelas que a assistente social do Fórum fazia periodicamente para atualizar o cadastro, os critérios e verificar se o casal ainda esperava realmente pelo filho. Clarissa foi chegando perto dos 50 anos, Sebastião ultrapassou esta idade, e ela achava que estavam mais perto da idade de avós do que de pais de um bebê.
O sonho de embalar, de ver um bebê crescer e de ensinar tudo sobre o mundo a ele foi parecendo mais distante e, em 2020, ela “desencanou”. A pandemia chegou trazendo o balde de água fria final: o Fórum fechou e estes processos, imaginou ela, provavelmente ficariam estacionados por meses. Mal sabia Clarissa que, em 2020, a Vara da Infância e Adolescência de Joinville chegou a realizar 21 encaminhamentos de crianças e adolescentes para novas famílias, já que as atividades continuaram de forma remota.
— No fim do ano passado, recebi uma ligação e achei que era de atualização de cadastro. A assistente perguntou tudo de novo antes de me dizer que havia uma bebê recém-nascida na maternidade de Joinville, esperando por nós — recorda ela.
Clarissa gaguejou, chorou, mas precisou encontrar forças para continuar a conversar com a assistente social e combinar os próximos passos. Ligou para o marido e falou “Oi, papai”, deixando-o sem entender que estavam vivendo a grande transformação de suas vidas enquanto ela dizia aquelas palavras.
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Não havia nada na casa que remetesse a uma família com um bebê recém-nascido. As roupinhas e mantas compradas após o encaminhamento do pedido de adoção, por pura empolgação, haviam se transformado em presentes para amigas que realizavam o sonho da maternidade enquanto Clarissa começava a entender que o dela não aconteceria. Mas sua menininha havia nascido, e estava sozinha em um berçário, precisando do colo de uma mãe.
— No mesmo dia, fomos conhecê-la. Quando a peguei no colo, na maternidade, senti pela primeira vez que era sua mãe. Quando as pessoas falam que este é um amor incondicional, a gente consegue entender, que é um amor que só quem se torna mãe e pai pode sentir — explica Clarissa.
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Uma “cegonha” cheia de amor e presentes
Durante dias, ela foi “mãe de maternidade”, já que precisava ir até a unidade hospitalar e cuidar da filha lá enquanto corria o processo de adoção. Levou uma semana até a autorização do juiz para que levassem a pequena para casa. Enquanto isso, Clarissa e Sebastião viviam dois momentos distintos: a tensão de preparar tudo para receber um bebê em casa e, em meio a tudo isso, comprar móveis, roupas e itens de higiene o mais rápido possível; e a onda de amor que os cobriu nos dia seguintes.
— Eu mandei email para as pessoas do meu setor para avisar sobre minha ausência na licença-maternidade e a notícia chegou, com isso, a uma amiga que havia pedido transferência para Florianópolis. Ela conhecia toda a minha história, meu sonho, e mobilizou colegas para me presentearem com um chá de bebê virtual — conta.
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Um dia, um caminhão-cegonha chegou à casa da família com berço, fraldas e tantas roupas que a filha tem guarda-roupa praticamente garantido até os cinco anos de idade. Eram presentes de colegas do trabalho, alguns deles que Clarissa nem conhecia pessoalmente. Em outro dia, foram as amigas da faculdade que chegaram, também com presentes que vinham não só delas, mas de pessoas que fizeram parte da história de Clarissa há muitos anos e que, mesmo sem proximidade agora, quiseram festejar a conquista deste sonho.
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Mesmo assim, essa história de amor permanece guardada por, praticamente, 24 horas por dia e sete dias por semana, na casa que Clarissa e Sebastião construíram para a família com que um dia sonharam. Não há pedido fofo nem amizade forte que a faça deixar de tomar todos os cuidados com a prevenção contra o coronavírus: na casa dela só entram pessoas com máscara e mãos higienizadas pelo álcool 70%. Para ver o bebê, não precisa tocá-lo nem pegar no colo: ela fica protegida no berço ou no colo da mãe.
— Se eu já cuidava antes, agora o cuidado é muito maior. Não posso arriscar. Ela é o melhor presente que Deus podia nos dar. Eu quero fazer pela minha filha tudo o que minha mãe fez por mim: amar, proteger, demonstrar orgulho. Já se passaram muitos meses, mas até hoje estou nas nuvens — afirma.
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* Os sobrenomes dos pais e o nome da criança não foram divulgados a pedido da família, para preservar a criança.