A mãe de um aluno da Escola Municipal João de Oliveira, de Joinville, foi à polícia para denunciar a ação de guardas municipais que revistaram estudantes na unidade após moradores da região relatarem que alguns jovens da unidade estariam utilizando drogas. Segundo a mulher de 38 anos, mãe do menino, o filho não fazia parte do grupo denunciado, mas mesmo assim os agentes insistiram na abordagem. Ela registrou o caso como racismo. A prefeitura, por sua vez, confirmou que a conduta dos guardas será investigada.

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A situação aconteceu na tarde do dia 30 de junho. A mãe conta que estava em casa quando, por volta das 14h, recebeu uma ligação da escola informando que havia crianças fumando maconha, incluindo o filho dela, de 13 anos. De imediato, ela diz que foi ao local e, quando chegou, se deparou com dois guardas armados revistando a mochila das crianças.

— Cutucaram meu filho perguntando se ele tinha droga na mochila e me perguntaram se eu era conivente com o que meu filho fazia. Mesmo eu relatando que meu filho não fazia parte daquela turminha eles continuaram com aquela abordagem e me pediram pra eu abrir o meu olho com ele — relata a mãe.

No dia, estudantes que supostamente estavam usando drogas teriam entrado atrasados para assistir à aula. Ela diz que o filho também acabou chegando depois do horário por conta de uma dor de cabeça, por isso, foi associado ao grupo.

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Ao final, segundo a mulher, a direção da unidade municipal confirmou, via imagens das câmeras de segurança, que o menino, de fato, não estava envolvido na situação e que a associação dele com o caso teria sido uma “infeliz coincidência”.

— Depois de tudo isso que aconteceu, nós estarmos ali sob ameaça daquelas armas, armamento de grande porte, foi informado que foi uma infeliz coincidência, daí pediram desculpas, simplesmente uma desculpa. A gente sabe que não foi uma “infeliz coincidência” realmente. Por ele estar vestido da forma que ele estava, com capuz, chinelo e por ser negro, simplesmente olharam pra ele e acharam que estava usando drogas — lamenta a mulher.

Em vídeo gravado no momento da abordagem, é possível ver que um dos agentes carrega um armamento pesado. Veja:

“Feriu a nossa integridade”

A mãe conta que a abordagem aconteceu na secretaria da escola e a ação foi feita com as portas abertas, fazendo com que outros alunos presenciassem a cena. Ela conta que, no começo, o filho ficou confuso sobre o que estava acontecendo, mas depois ficou bastante abalado e foi embora do colégio chorando por vergonha dos colegas.

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Até por isso, na mesma semana, a mulher pediu que o menino fosse transferido de escola e o pedido foi acatado pela prefeitura. Mesmo com a transferência, a criança continua abalada.

— Foi muito humilhante pra nós, feriu a nossa integridade. A integridade minha como mãe e a do meu filho, que é uma criança. Ele estava assustado e nem sabia o que estava acontecendo, porque ele não fazia parte daquilo dali — frisa a mãe.

Prefeitura diz que ação não foi ilegal, mas conduta dos agentes será investigada

Por nota, a Prefeitura de Joinville informou que, por volta das 13h10 do dia 30, a diretora da escola municipal do bairro Jarivatuba recebeu duas denúncias — por telefone e presencialmente — de que alunos da unidade teriam sido vistos usando drogas nas proximidades da escola.

Uma das pessoas que denunciou, segundo o município, identificou os estudantes que estariam consumindo maconha e, assim que o grupo entrou na unidade escolar, foram abordados pela diretora, que acionou os responsáveis pelas crianças e a Guarda Municipal.

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“Com a presença do responsável legal, a Guarda Municipal solicitou aos estudantes, um a um, que abrissem as mochilas para verificação. O mesmo protocolo foi seguido com todos os estudantes envolvidos na situação. Eles foram liberados com seus responsáveis na medida em que passavam pelo procedimento”, cita o texto.

No pronunciamento, a prefeitura ainda destaca que, desde abril, as escolas municipais contam com rondas do Grupamento Escolar e que a medida está prevista no Protocolo de Prevenção à Violência Escolar da rede de ensino de Joinville (criado após o ataque a uma creche em Blumenau), legitimando a ação dos agentes no que diz respeito à abordagem.

Com relação ao armamento pesado utilizado por um dos guardas, destaca que “a situação ocorre conforme previsto na Lei Complementar 397/2013” e, sempre que acionada, a equipe disponível mais próxima é descolada, “considerando a necessidade de prestar atendimento com agilidade e o risco de segurança em deixar o armamento em local inadequado”.

Além disso, a nota cita que, em nenhum momento, houve qualquer ameaça aos alunos ou a seus responsáveis. Por fim, a prefeitura diz que a Secretaria de Proteção Civil e Segurança Pública (Seprot) não foi notificada oficialmente pela Polícia Civil sobre a abertura de investigação, mas, diante da denúncia da mãe, a Seprot abriu uma investigação interna por corregedoria da Guarda Municipal para apurar o ocorrido.

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Diferentes faces do racismo

Cássia Sant’Anna, advogada e militante do Movimento Negro Maria Laura, explica que o racismo pode assumir diversas formas, sendo as mais evidentes a de injúria racial, que consiste em um ato discriminatório baseado na raça, cor ou origem de uma pessoa, e a recreativa, que ocorre quando há insultos supostamente disfarçados de piadas de cunho racista sob o pretexto de entreter.

— E tem o racismo institucional, que é praticado diariamente contra a população negra e muitas vezes passa despercebido, por isso é mais difícil de enquadrar como crime. O termo racismo institucional é utilizado para descrever a presença de práticas racistas nas estruturas e práticas das instituições, tanto públicas quanto privadas, que são historicamente enraizadas no cotidiano brasileiro, perpetuando a discriminação e a opressão racial — explica.

O caso do menino, portanto, segundo Cássia, se enquadra como racismo institucional. Ela ressalta que esta forma de preconceito é promovida pela própria instituição, mas é perpetrada por indivíduos que possuem poder dentro dessas instituições e cometem atos racistas, agindo em nome delas.

— Um exemplo disso é quando uma criança de 13 anos, por ser negra, é falsamente acusada e revistada, enquanto as outras crianças brancas da sala não sofrem o mesmo tratamento. Essa prática de acusar pessoas negras de crimes é recorrente em instituições policiais ao longo da história. Além disso, existem práticas racistas direcionadas a estudantes negros nas escolas, o que é evidenciado pelos índices de reprovação e evasão escolar — complementa a advogada.

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