Maria*, de três anos, brinca cheia de energia no meio da casa como qualquer criança. Chama a atenção da mãe várias vezes para as danças ao som de Livre Estou, um clássico entre os pequenos. É a rotina normal de uma família, mas ali, especificamente, as duas tentam recuperar o tempo que passaram longe uma da outra.
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Ao todo, foram cerca de dois anos e meio afastadas, com esporádicas visitas, e uma batalha judicial de Andressa para recuperar a guarda da filha, antes enviada à adoção.
— Penso em tudo o que me tiraram. Eu não vi ela andar, o dentinho crescer, a primeira palavra, não fui eu que fiz os primeiros cachinhos dela — desabafa.
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A notícia de que tinha conseguido no Tribunal de Justiça de Santa Catarina reverter a decisão da Vara da Infância e Juventude de Blumenau veio no dia 4 de maio, mas com uma condição: o desencolhimento serial gradual. Ou seja, a partir daquele momento começaria o processo de levar Maria para passar algumas horas em casa. Depois, a menina pôde dormir aos fins de semana com a mãe, até que o tão esperado dia chegou.
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Em 16 de junho, a menina apaixonada pela Frozen pôde ficar definitivamente.
— Às vezes eu acordo e vejo ela ali dormindo, me sinto em paz. Fazer a mamadeira, dar o banho, trocar a fralda, até mesmo as birras, mas tudo é bom. Pior é ficar sem — garante a mãe.
Maria foi levada para o abrigo em outubro de 2020, quando tinha oito meses. Na época, a alegação do serviço social era que Andressa tinha manifestado interesse em entregar a filha à adoção por duas vezes e vivia em um ambiente conflituoso. A mãe contesta. Diz que estava apenas pedindo ajuda após sofrer ameaças do pai da criança, de quem foi vítima de violência doméstica durante a gestação e também após o parto, quando o homem invadiu a casa onde morava com a caçula e um filho adolescente.
— Eu me arrependo de ter ligado para a psicóloga do Cras pedindo ajuda. Era para ela me acalmar, porque meu ex estava me ameaçando, e ela acionou o Conselho Tutelar — diz Andressa.
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Menina chegou a ir à família acolhedora
Pouco depois de Maria ser levada para o abrigo, a avó materna chegou a receber a guarda provisória da neta, mas como a mãe acabou cuidando de fato da filha, a Justiça determinou o reacolhimento. Nesse vaivém, os anos passaram, a pequena chegou a ser enviada para família acolhedora e até para uma família adotiva, em Brusque. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que ela deveria ser devolvida até que o processo chegasse ao fim.
“A colocação da criança em adoção de forma automática e mediante decisão não fundamentada, como decorrência pura e simples da prolação de sentença de destituição do poder familiar, além de flagrante ilegal, mostra-se também equivocada”, disse à época o ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
A essa altura, já fazia um ano que mãe e filha não se viam. Quando a separação acabou, na manhã de 27 de outubro, Andressa sentiu o impacto da distância. Maria não a chamou de mãe, e segundo a genitora, a própria assistente social recomendou que não chamasse a pequena de filha nem se apresentasse como mãe, para não gerar confusão na cabeça da criança.
Com o tempo, a orientação foi questionada, pois ela entendia que a falta daquelas palavras criava uma distância entre elas.
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— Pensei como iria mostrar para ela que sou a mãe dentro de uma sala, porque ser mãe a gente mostra aqui, dando banho, comida, remédio, levando para a escolinha, brincando. Aí começou uma batalha para mostrar quem eu era — fala emocionada.
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“Entendo desproporcional e inapropriada a medida ao caso, devendo ser privilegiada a reintegração da infante à família natural. […] Acrescento que a família deverá ser incluída em serviços e programas de proteção, apoio e promoção e continuará sendo acompanhada pela rede de apoio pelo tempo necessário”, escreveu o desembargador Marcos Fey Probst, do TJSC, na nova sentença.
Relembre o caso
Em julho do ano passado um grupo de Mães de Blumenau fez uma vigília em frente ao Fórum. Elas queriam chamar atenção a falhas nos processos que tiraram delas a guarda dos filhos e resultou no envio das crianças à adoção, segundo alegaram à época. O movimento é formado por 11 mulheres, entre elas Andressa. Desde então, 4 processos tiveram decisão alterada e as crianças devolvidas às famílias.
A Vara da Infância e Adolescência, bem como a Promotoria da Infância e Adolescência e a prefeitura de Blumenau — ambas envolvidas nos processos de destituição do poder familiar — afirmam que não houve falhas nos processo e que sempre foi priorizado o bem-estar das crianças. O Poder Judiciário frisou ainda que o fato de algumas sentenças terem sido revistas é normal e está previsto em lei.
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A juíza Simone Faria Locks e promotora Patrícia Dagostin deixaram os cargos entre o fim do ano passado e o começo de 2023. As saídas não teriam relação com os casos.
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