O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai decidir se uma das mulheres do movimento Mães de Blumenau poderá reaver a guarda do filho caçula ou não. A batalha judicial começou em junho de 2021, quando o menino foi tirado de casa e levado para o abrigo. A decisão da juíza e dos desembargadores, na primeira e na segunda instância, foi pelo encaminhamento do pequeno à adoção.
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A mãe contesta as alegações que culminaram na perda da guarda e questiona por que apenas Pedro*, o mais novo e que na época estava prestes a completar dois anos de idade, foi tirado do lar, enquanto os dois mais velhos, então com 6 e 8 anos, continuaram com ela.
— A denúncia falava em negligência com os três, por que só levaram o menor? — questiona.
O caso começou no fim de 2020 após denúncias ao Conselho Tutelar alegando que Vanessa* deixava os três filhos com outras pessoas por longos períodos, por vezes sem que eles tivessem ao menos roupa e fralda para troca. Vanessa diz que a situação não era exatamente assim.
Ela conta que após sete anos de casamento, se separou, cuidava dos três filhos pequenos e não recebia pensão do ex-marido. Para conseguir trabalhar, alega que pagava uma babá ou deixava as crianças aos cuidados da mãe dela, que mora na casa ao lado.
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Um dia teria se atrasado e pediu que o pai buscasse o caçula, mas em vez disso o homem supostamente ligou para o Conselho Tutelar. A partir daí ela e as crianças começaram a ser acompanhadas pelo serviço social da prefeitura.
As duas crianças mais velhas foram morar com o pai nesse intervalo e ela ficou com o menor. Na época, Vanessa encontrou um emprego em uma boate à noite e, por um período, conforme consta nos autos do processo, a dona do estabelecimento cuidou do pequeno para a mãe trabalhar. A Justiça aponta que a genitora tinha interesse em entregar o garoto para a mulher adotar, o que ela nega:
— Eu nunca quis dar o meu filho. Se não quisesse ele, não estava lutando.
Os autos do processo apontam ainda que Vanessa foi negligente nos cuidados de saúde do pequeno, que teria sido acolhido com um problema de pele, alergia e vacinas atrasadas. Seria negligente com a saúde e educação dos outros dois também. O documento vai além e diz que a mãe seria usuária de drogas. Ela mostra uma série de exames médicos de Pedro para contrapor as afirmações de negligência e diz não ter se omitido dos cuidados, apenas que enfrentou algumas dificuldades naquele período.
Quando Pedro já estava no abrigo, o pai decidiu devolver os outros dois filhos à guarda da mãe. Atualmente, eles são acompanhados pelo serviço social da prefeitura. Não houve pedido de retirada da guarda dos maiores apesar de as denúncias terem começado citando o trio. A mãe mostra as mensagens que troca no WhatsApp com o Creas falando sobre o cuidados da dupla e frisa o texto onde dizem que logo ela deve será liberada do acompanhamento, pois está dentro do esperado com as crianças.
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“Não demandam de tanta maternagem”
A análise de estar cuidando bem de dois e não poder cuidar do mais novo é questionada pela mãe. Um novo estudo psicossocial chegou a ser solicitado pela Defensoria Pública de Blumenau ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, mas foi negado. O pedido está agora no STJ.
Um trecho do despacho da 1ª Vara da Infância e Juventude de Blumenau pode lançar luz à dúvida de Vanessa. No documento, uma psicóloga que acompanhou a família diz que Pedro tinha inúmeras questões de saúde, que a mãe não estava o observando e que o mesmo não ocorria com os filhos mais velhos. Frisa que são crianças em estágios diferentes da vida, com demandas específicas e que os maiores “na verdade não demandam de tanta maternagem”.
A juíza escreve na sentença que “o fato de Vanessa exercer os cuidados dos outros dois filhos, por si só, não autoriza o retorno automático de Pedro à família natural, na medida que o menino necessita de cuidados especiais que foram negligenciados pela mãe”. A defesa de Vanessa chegou a pedir que a criança não fosse enviada imediatamente à adoção e se esperasse esgotar todos os recursos judiciais, como preconiza a Resolução 289/2019, do Conselho Nacional de Justiça. Porém, a decisão saiu no sentido contrário.
A magistrada justificou a decisão:
“O pedido de não encaminhamento imediato da criança à família substituta, na modalidade de adoção, sob a justificativa de que, em caso de eventual provimento de recurso, o infante sofrerá mais danos psicológicos, não merece guarida. Isso porque Pedro estava inserido em um ambiente permeado por negligências e omissão, de maneira que os genitores receberam a oportunidade de se reestruturarem a partir das orientações técnicas dos profissionais que compõe a rede de proteção, mas continuaram a exercer o poder familiar em descompasso com o desenvolvimento saudável da criança”.
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A avó de Pedro tentou a guarda do neto, considerando que o Estatuto da Criança e do Adolescente recomenda ser dada prioridade à família extensa, mas o pedido foi negado.
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Histórico
Os documentos apresentados na sentença que tirou a guarda do menino da mãe traz à tona que quando jovem, a genitora, que hoje tem 29 anos, perdeu a guarda dos dois primeiros filhos para os pais porque marido dela na época — e que é pai dos três que seriam alvo da denúncia — agredia as crianças. Mais tarde, um deles chegou a ser enviado novamente à adoção por apanhar reiteradamente da parte do próprio genitor. A reincidência na perda de guarda é apontada no processo como um aspecto de que a mãe não conseguiu ao longo dos anos superar as fragilidades para criar os filhos.
*O nome da mãe não foi informado para preservar a identidade dos demais filhos que não são alvos do processo de destituição familiar.
Assista ao especial “Mães de Blumenau”
O caso das Mães de Blumenau veio à tona em junho de 2022, quando 11 mulheres se mobilizaram em frente ao Fórum da cidade pedindo atenção aos processos de destituição familiar, onde, segundo elas, havia falhas.
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Os processos desse gênero envolvem a Secretaria de Desenvolvimento Social, que acompanha as famílias e faz os laudos para enviar ao Ministério Público, que por sua vez analise os relatos e avalia se é necessário retirar a guarda dos pais. Em caso afirmativo, o processo segue para a Vara da Infância e Juventude, que ataca ou não o pedido.
Em ao menos dois dos 11 casos das Mães de Blumenau a Justiça revogou a decisão de encaminhar as crianças à adoção e devolveu às famílias biológicas.
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