Mais um dia de tumulto nos aeroportos, com 36,7% dos voos nacionais e 43,3% dos internacionais da Gol atrasados até as 20h de ontem, fez crescer a dúvida sobre a normalização do tráfego aéreo. O que decolou sem limite foram os temores de repetição do caos de 2007, abastecidos por relatos preocupantes de dirigentes sindicais e de funcionários da companhia.

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Não está confirmada, por exemplo, a paralisação de 24 horas de pilotos e comissários da Gol que teria sido marcada para o dia 13. Selma Balbino, presidente do Sindicato Nacional dos Aeroviários, que divulgou na segunda-feira nota de apoio à paralisação, dando credibilidade ao movimento, disse ontem ter marcado uma reunião com a área de recursos humanos da Gol para discutir as queixas dos funcionários para o dia 11. A empresa não confirma o encontro. O diretor de segurança de voo do Sindicato dos Aeronautas, Carlos Camacho, diz que existe só uma “intenção de paralisação declarada anonimamente por pessoas que se dizem copilotos da Gol”.

– Eles mandaram um documento na semana passada marcando a greve e dizendo os motivos. O sindicato assumiu o movimento no sentido de apoiar as reivindicações. Mas, entendemos que os trabalhadores querem que a empresa negocie para mudar o que está acontecendo hoje na Gol, que é muito grave – justificou Selma.

Entre os problemas, cita baixos salários, excesso de jornada, desvio de função, assédio moral e redução da participação da empresa no plano de saúde dos funcionários.

Gol desiste temporariamente de programa da Lufthansa

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Cruzando versões de sindicalistas, da Gol e de funcionários da empresa, o cancelamento de voos decorreu da tentativa de sanar o problema criado pela aplicação de um sistema informatizado de escalas, chamado CrewLink, que teria sido fornecido pela alemã Lufthansa. Segundo um piloto da Gol que pediu para não se identificar, o grande erro da companhia foi fazer a mudança em julho, um mês de pico no transporte aéreo. Além disso, o programa não considerou regras do Brasil, o que teria levado muitas equipes a estourar a carga limitada a 85 horas de voo por mês.

– De voo, não de trabalho. De trabalho são 160 horas – frisa o piloto.

Monitorando um sistema de denúncias online desde 2 de fevereiro, Camacho conta que recebia média de 85 por mês. Em julho, subiu para 346, 95% com origem na Gol:

– Foi a implantação do sistema de escalas denominado Crewlink, que levou os integrantes da Gol à loucura.

Segundo o diretor sindical, houve diferentes formas de descumprimento às regras. Depois de uma reunião com o sindicato dos Aeronautas, o vice-presidente de Recursos Humanos da Gol teria ordenado o cancelamento dos voos para adequar as escalas e evitar a sobrecarga horária.

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– É uma das 10 mais lucrativas do mundo, mas não tem plano de previdência privada, de saúde, e uma diferença salarial muito grande em relação à média – disse Camacho.

Ontem, após reunião com a Gol, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) divulgou nota em que a empresa se compromete a aplicar em agosto escala “na mesma configuração de junho” – ou seja, abandona ao menos temporariamente a CrewLink. Em nota, a Gol informou que “continua trabalhando para normalizar a situação de seus voos”. A assessoria não respondeu aos pedidos de esclarecimento sobre as reivindicações dos funcionários.

“Vilã é a infraestrutura”, diz piloto da Gol

“Com 22 anos de experiência, seis na Gol, posso dizer que o principal problema é a falta de investimento em infraestrutura. A companhia aérea é o final de tudo, a menos culpada. A Gol teve a infelicidade de experimentar um sistema novo de escala em alta temporada, e foi muito complicado. É um programa da Lufthansa. Faltou adequar à regulação do Brasil.

Desde o caos de 2007, não foi feita nenhuma obra importante. Existe um sistema de pouso, que chamamos de Cat2, usado quando a visibilidade é quase zero. A TAM e a Gol homologaram quase todos seus pilotos, cerca de 4,5 mil, e aviões, uns 300, para utilizar o sistema, mas só podem usar em dois aeroportos, Guarulhos e Curitiba. E Curitiba, pior aeroporto da América Latina para pouso no inverno, fez parada para manutenção do sistema. No inverno.

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Acho que não vai haver greve no dia 13, porque tudo está sendo comentado em e-mail anônimos. Se fosse para parar, tinha de ser como na Europa, pegar placas e reivindicar nas ruas. Com esse tipo de paralisação que se esconde, não concordo.”

Famílias são indenizadas por empresa estrangeita

Quatro anos após o drama de ter os filhos pré-adolescentes impedidos de embarcar de volta ao Brasil por conta de um overbooking da Lufthansa, duas famílias gaúchas serão indenizadas pela falha da companhia. Além de R$ 10 mil por danos morais, irão receber, cada uma, R$ 4,85 mil para cobrir gastos com hospedagem e estadia das crianças, então com 13 anos, que ficaram retidas por uma semana na Alemanha, na volta de intercâmbio.

Com ganho de causa em primeira instância e confirmação da sentença pela 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ) do Estado, a companhia tentou levar a questão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Brasília. Mas em junho, o TJ gaúcho decidiu que não caberia mais recurso.

Foram dias que o consultor em telecomunicações Aleksander Gavenski, 51 anos, não esquece. O filho Nathan, à época com 13 anos, deveria voltar em 29 de julho de 2006. Acompanhado da colega Taís Hennemann Machado, fez o check in no aeroporto de Munique. Mas depois os dois foram informados de que não estavam com a passagem confirmada.

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– A companhia dizia que não tinha lugar. A previsão mais otimista era final de agosto – recorda Gavenski.

– A gente não sabia quando ia voltar para casa – relata Nathan, que durante foi acolhido com a colega pelo Instituto Humboldt, do intercâmbio.

O consultor precisou recorrer à ajuda de uma executiva brasileira da Siemens que estava na Alemanha para conseguir chegar a uma solução. Uma semana depois, graças à atuação dela – e do empenho da agência de viagens do Brasil – , a Lufthansa anunciou a abertura de duas vagas.

Igualmente frustrado, o empresário Ademir Dalpiás Machado, 45 anos, pai de Taís, ressalta que o episódio trouxe grande desgaste psicológico. E a decisão de recorrer à Justiça veio como uma forma de protesto:

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– Não é pelo dinheiro, mas para não abrir um precedente.

Procurada pela reportagem, a assessoria da Lufthansa no Brasil não retornou o contato até às 21h.

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