A psicóloga Cíntia Schmitt Dipp, 33 anos, é outra mulher quando tira o salto alto e pisa com os pés descalços no tatame, à noite, para treinar muay thai. A vaidade não se perde em um ambiente predominantemente masculino. As luvas, um presente do marido, compradas da Tailândia, têm estampa tigrada. Sob elas, as unhas bem feitas em vermelho. Já a maquiagem continua impecável, mesmo após um dia no consultório e o treino da noite.
Continua depois da publicidade
Ela já praticou balé e natação, mas se apaixonou pela luta em 2004, assim como pelo marido, o lutador e empresário Helio Dipp, 33 anos. Ele tem uma trajetória nas artes marciais, desde que começou a lutar muay thai, aos 16 anos. Três anos depois, aprendeu jiu-jitsu para competir na luta livre. Entrou para o circuito nacional e esteve em competições de Mistura de Artes Marciais (MMA) até 2008, quando abriu academia na Cidade Baixa, uma referência na Capital.
Cíntia procurava um exercício para manter o corpo em forma. Dipp se inspirou em filmes com Sylvester Stallone e Bruce Lee para optar pela prática, enquanto buscava uma rotina saudável. Os motivos do casal são os mesmos de outras dezenas de lutadores que se espalham por Porto Alegre e batem à porta da academia na Rua Lima e Silva.
– Como o MMA está aparecendo mais, desmitifica as ideias que se tem sobre a luta. As mulheres buscam o aumento da tonicidade muscular, a perda de peso e a defesa pessoal. Mas o esporte é bom para todos, para a qualidade de vida – afirma Dipp, que no primeiro mês tinha 80 alunos e hoje beira os 150.
Para deixar no passado o estereótipo de uma academia fétida e escura, o tatame de Dipp é frequentado por universitários, advogados, engenheiros etc. É o caso do infectologista Ricardo Ariel Zimerman, 34 anos. Ele praticou caratê na infância e na adolescência, mas hoje aderiu ao muay thai. Faz questão de ir à academia cinco vezes por semana, três delas para musculação.
Continua depois da publicidade
– Quando estou mal no treino, rendo menos no trabalho, por isso tento manter a cultura do esporte – diz o médico, que ainda faz doutorado na UFRGS.
Assinante do canal Combate, Zimerman acompanha as lutas pela TV, mas prefere assistir sozinho aos confrontos, para poder prestar atenção nos detalhes técnicos. Já a turma dos bancários e estudantes de Economia da UFRGS Guilherme Meneghetti, 24 anos, e Matheus Wiedmann, 23 anos, tem até o hábito de marcar churrasco para acompanhar as lutas. Entre eles, assistir ao UFC virou desculpa para reunir os amigos. Meneghetti rejeita a fama dos combates, atrelada à violência:
– As únicas vezes em que vi alguém do pessoal da luta se machucar sério foi durante uma pelada no fim de semana – brinca.
Wiedmann reforça o coro. Garante que se tornou mais centrado e menos brigão desde que começou a treinar MMA. Com o sonho de lutar profissionalmente, o jovem não costumava fugir de briga, especialmente no estádio, acompanhado aos jogos do Grêmio. A disciplina do tatame o mudou:
Continua depois da publicidade
– Quem luta não briga.
Pay-per-view cresce nove vezes
A procura pelas lutas não cresceu apenas nas academias. O MMA invadiu a TV aberta brasileira no ano passado e faz sucesso até com reality show neste ano. O fenômeno surpreendente se comparado o crescimento do número de assinantes do pay-per-view de futebol ao de luta. Desde 2007, o público do Premiere FC (PFC) aumentou 2,3 vezes, enquanto o do canal Combate está nove vezes maior.
Os brasileiros estão descobrindo só agora um esporte que já é uma mania americana. Em grande parte, por causa do UFC. Para entender a relação entre os dois basta pensar que o UFC está para o MMA assim como a Copa do Mundo está para o futebol. A história deste fenômeno rendeu um livro ao jornalista Fellipe Awi. Autor de Filho Teu Não Foge à Luta, ele atribui o sucesso do MMA no Brasil ao gosto por esportes que deem espaço ao improviso, como futebol, e reconhece a importância do UFC para que o esporte desse certo.
– Dana White conseguiu fazer com que uma luta marginalizada virasse um espetáculo – resume, ainda que considere preocupante para o esporte a hegemonia do torneio.
Se a primeira edição brasileira do programa The Ultimate Fighter (TUF), no qual Wanderlei Silva e Vitor Belfort treinam equipes que lutam entre si, conquista fãs enquanto o UFC já está consolidado e com transmissões previstas ao longo do ano na Globo, nos EUA o caminho foi inverso. O TUF foi um divisor de águas na história do evento, porque expandiu o público ao humanizar os lutadores.
Continua depois da publicidade
– Estou curioso sobre o impacto que terá no Brasil – diz Awi sobre o reality show que vai ao ar aos domingos, após o Lance Final.
Um dos principais empresários de lutadores do mundo, Jorge Guimarães agencia a carreira de Anderson Silva, Minotauro e Minotouro, desde Los Angeles. Segundo ele, a essência do MMA é brasileira embora os americanos tentem roubar os louros – o que compara à briga sobre qual é o verdadeiro pai da aviação. Amigo de Dana White desde que comprou o UFC, Guimarães afirma que o apreço dos brasileiros pelo esporte era uma questão de tempo.
– O sucesso é inevitável. Chegou a um ponto em que é aprovado pela audiência, por isso a multiplicação da venda de pay-per-view.
Capital está no circuito do MMA
Embora a Copa do MMA seja o UFC, outras iniciativas circulam pelo país, inclusive por Porto Alegre. Um deles é liderado por Wallid Ismail, um fornecedor de talentos para a competição principal. Como lutador, tem um histórico de vitórias contra integrantes da família Gracie, que inventou a luta livre.Já como empresário, criou o Jungle Fight, cuja 38ª edição será no dia 28, torneio que revelou José Aldo e o gaúcho Fabricio Werdum.
Continua depois da publicidade
– É um caminho mais curto para quem sonha com o UFC, e nossa estrutura é espetacular. No último evento, a produção foi do Boninho (José Bonifácio, diretor da Globo).
Wallid está batalhando para trazer o evento a Porto Alegre em outubro deste ano. Antes disso, a Capital contará com o Kumite MMA Combate 2, em 10 de agosto. Um dos realizadores do primeiro, em outubro passado, Helio Dipp comemora o sucesso de público e repercussão, inclusive com transmissão pelo pay-per-view. Foi ele quem escolheu os confrontos.
– Os lutadores foram surpreendidos pela organização, que rendeu elogios até do Mário Yamazaki (juiz de UFC) – afirma Dipp.
O Estado chegou a entrar na lista de cidades que receberiam o UFC neste ano, mas o evento não se confirmou. Ainda há esperança para 2013, quando as lutas poderiam ocorrer no Beira-Rio ou na Arena do Grêmio.
Continua depois da publicidade