Praças, postos de combustíveis e até mesmo a rua têm sido palco de lutas informais, especialmente na Zona Norte paulista. Os duelos, acompanhados por multidões, também contam a participação de adolescentes, e são filmados e acompanhados através das redes sociais com o nome de “UFC de Rua”. As informações são de O Globo.

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Nos vídeos, que possuem grande repercussão na internet, lutadores com pesos discrepantes se enfrentam, o que contraria regras de competições de artes marciais.

Os embates ainda contam com “juízes”, que não são identificados, já que usam camisas para cobrir os rostos. Os vídeos são divulgados em páginas de bailes funks da Zona Norte de São Paulo. Os comentários divergem entre apoiadores da prática e aqueles que se preocupam com as condições e a saúde dos participantes.

“Se tu é bom de briga, quero ver peitar. Vem pro UFC de Rua, um pra um, vem me enfrentar”, diz a letra de um funk, que promove esse tipo de luta.

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A proprietária de um comércio próximo a um ponto de encontro desses grupos afirma que as lutas são uma novidade, e até pouco tempo os jovens só se encontravam para beber e exibir motocicletas.

— As pessoas ficam sabendo dessas lutas pelas redes sociais e pelo WhatsApp. É muito violento, sem nenhum equipamento de proteção. Pode acontecer uma tragédia. De vez em quando a polícia passa e dispersa as pessoas. Mas assim que ela vai embora, todo mundo retorna — conta a mulher, que não quis se identificar.

O GLOBO esteve no local na semana passada. O primo de um dos “atletas” que participa dos combates relatou que nas lutas são proibidos chutes, cotoveladas ou “agarrões”. Há também um sistema de apostas entre os espectadores, com valores em torno de R$ 50.

— Começou como uma brincadeira entre amigos. Ninguém bate para machucar, para arrancar dentes. É na amizade, um jeito de se divertir mesmo. No segundo dia que teve luta aqui, já apareceu uma multidão para assistir. Os confrontos duram três minutos. Se ninguém desistir, o próprio público declara quem é o vencedor — conta.

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O nome, “UFC de Rua”, faz referência ao Ultimate Fighting Championship, maior organização de artes marciais mistas do mundo, que produz eventos de luta em diferentes países.

O coronel da Polícia Militar Azor Lopes da Silva Júnior explica que sem excessos agressivos ou apostas, e mantendo a intenção de competir, a prática não é considerada crime.

— Não há lei que impeça a prática de artes marciais fora das academias. Também acrescento que não nos pareceria escandaloso ver crianças de periferia jogando futebol e até se machucando durante a partida. O que as imagens mostram não são condutas ilegais, mesmo que seja algo que eu recrimine diante das circunstâncias como ocorrem. Por isso, não há interesse policial em monitorar esse tipo de atividade, desde que não se torne uma prática com fins lucrativos em exploração ao menor ou que leve a lesões graves ou fatais — explica.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que a Polícia Civil, por meio do 28º Distrito Policial (DP), busca identificar os participantes das lutas e está à disposição para o registro da ocorrência. Contudo, a secretaria reforçou que por haver “consentimento mútuo das partes envolvidas”, os casos não se enquadram no artigo 129 do Código Penal.

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Da mesma maneira, crianças e adolescentes possuem liberdade à prática de esportes, previsto pelo Estatuto da Criança e Adolescente. Por não estar cometendo crimes, a divulgação dos vídeos também não se configura como criminosa.

— Defendo uma abordagem social pelo Conselho Tutelar com políticas públicas que permitam as crianças do local a praticarem a luta em um ambiente seguro e com profissionais do ramo — recomenda.

O tetracampeão mundial de muay thai Moisés Batista, o Gibi ainda fala de como essas práticas são refexo da falta de espaços públicos para a luta.

— A arte marcial consegue salvar muitas pessoas das ruas, do mundo do crime. Mas falta incentivo do poder público, faltam escolas de artes marciais nas periferias. Isso acaba levando pessoas dessas regiões a se arriscarem em competições sem a mínima estrutura, o que pode até prejudicar a imagem do esporte.

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Porém, as lutas não supervisionadas, em ambientes informais, provocam riscos de contusões cerebrais e traumas no crânio. É o que explica o neurologista Denis Bichuetti, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

— A longo prazo, o trauma de crânio repetitivo pode desencadear um processo degenerativo neurológico que se manifesta posteriormente, entre os 50 e 60 anos. Este quadro pode, inclusive, evoluir rapidamente para um processo demencial — afirma.

O cardiologista e médico do esporte, Mateus Freitas Teixeira também alerta para os riscos de lesões no tímpano e nos olhos, além de hematomas no abdômen.

— É diferente de quem luta profissionalmente, que são atletas acompanhados por uma equipe. Um soco no abdômen pode gerar um sangramento no baço e no fígado, além de alteração vascular — alerta.

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Registros de mortes

Ainda que mais frequentes na Zona Norte de São Paulo, as lutas informais têm sido registradas em diferentes partes do país. Em alguns casos, elas tiveram finais trágicos, como em outubro de 2023, quando jovem João Vitor Penha, de 23 anos, morreu após sofrer um nocaute.

Ele participava de um torneio não oficial de boxe em uma quadra pública do município de Jijoca de Jericoacoara, no Ceará. O jovem foi encaminhado ao hospital, e recebeu o diagnóstico de “morte encefálica” que evoluiu para uma parada respiratória.

Já no Rio de Janeiro, policiais tiveram que dispersar o público que assistia o que foi chamado de “UFC coletivo” por internautas, em novembro do ano passado. Dois homens trocavam chutes e socos na areia da praia do Leme, na Zona Su.

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