Um grupo de mulheres se reúne em torno de um smartphone ou tablet rindo e comentando coisas como “só sete e meio?”. Do outro lado do bar, homens com sorrisos tensos. Se ouve “como será que eu estou me saindo?”.
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Leia as opiniões de Claudia Tajes e David Coimbra sobre o app Lulu
O clima de avaliação colegial está sendo espalhado pelo sucesso exponencial de um aplicativo chamado Lulu, disponível gratuitamente para iOS e Android e com versão web no site onlulu.com. Apesar do nome fofinho, nada há de inofensivo nesse novo recurso a serviço (ou desserviço) exclusivo das mulheres. Funciona assim: a usuária conecta o app com a sua conta de Facebook e, a partir daí, um catálogo com as fotos de seus amigos, acompanhadas de notas de um a 10, se abre.
Alexandra Chong criou o Lulu em fevereiro
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Foto: Divulgação/Lulu
Pronto. Agora é classificar – protegida pelo anonimato – o desempenho deles em várias categorias, respondendo a perguntas engraçadinhas que, no final, resultarão em avaliações numéricas, como quem remonta o júri de escola de samba. No final, ainda se abre a possibilidade de atrelar hashtags ao garoto que vão de #aiseeutepego até #arrotaepeida.
A criadora do app, Alexandra Chong, está na faixa dos 30 e decidiu que as mulheres precisavam saber mais antes de investir.
– Nós o construímos para ser um ambiente seguro e divertido e, como resultado, as garotas recomendam os grandes homens de sua vida – diz Alexandra, que trocou um cargo de diretora de marketing em Londres pelo Lulu.
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Para a terapeuta sexóloga Laura Meyer da Silva, o programa tem pontos negativos:
– Gera um preconceito. Os homens não necessariamente vão agir da mesma forma em todos os relacionamentos. As pessoas cada vez mais usam esses instrumentos para se afigurar, se proteger, se enfrentar.
A visão da pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Unisinos Adriana Amaral é de que isso não é novidade.
– Eu já via isso em antigos fóruns. No Orkut, tinha aquela comunidade Come, Não Come (em que pessoas diziam se fariam sexo com quem postou por último) – diz Adriana.
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E se fosse o contrário? Homens criando um catálogo digital para mulheres. Laura aponta que as consequências são imensuráveis:
– Normalmente, a autoestima delas é mais baixa, pois se fazem muitas críticas. Imagina se o homem colocar a hashtag gordinha?
O site onlulu.com dá a eles a opção de sair do Lulu. As mulheres que testam têm diversão garantida, ao menos, por uns 10 nada reflexivos minutos.
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Colaborou Kyane Vives
“Homem pega pesado. Mulher até que é boazinha”
A febre do Lulu acometeu a estudante de Farmácia Mariana Suso há três dias, quando, por meio de um amigo, ela ficou sabendo que os homens estavam sendo avaliados. A curiosidade de ver quais eram as classificações de seus conhecidos no Facebook falou mais alto. No mesma hora, baixou o aplicativo. A avaliação começou com os amigos mais próximos até chegar nos antigos ficantes.
– Eu fui bem sincera. Minhas amigas também e estão comentando comigo sobre as notas. Arranjamos mais um motivo para falar dos homens – conta.
Ela não só aprovou a nova ferramenta, como incorporou o vício de dar uma olhadinha nos perfis em sua rotina. A curiosidade de ver como estão sendo avaliados seus amigos é um dos motivos que fizeram Mariana aderir. Apesar de dizer que a exposição é um risco para o usuário, a estudante acredita que tudo não passa de uma brincadeira. Segundo ela, as avaliações sempre existiram entre amigas nas mais diversas situações, a diferença é que agora, como tudo, isso está na rede.
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– Eu não levo tão a sério o aplicativo a ponto de pré-definir alguém por causa das hashtags ou notas. A não ser que muitas avaliações digam alguma coisa em comum – brinca Mariana.
E se, por acaso, existisse um Lulu do sexo oposto? Como seria a reação das mulheres? Para Mariana, “a brincadeira ficaria mais séria”. Mesmo sabendo como funciona o passatempo e sendo usuária do aplicativo, ela conta que excluiria seu perfil assim que descobrisse uma possível avaliação.
– Eu teria bloqueado. Não deixaria me avaliarem, pois não gosto desse tipo de exposição. Homem pega pesado. Mulher até que é boazinha. Mas vai da vontade de cada um. A maioria dos meninos que já sabe que tem a opção de sair, fica porque quer ser avaliado. Mesmo um cara com nota muito boa pode ser mal visto. Se tiver um número alto de avaliações, vamos deduzir que ele já passou na mão de todo mundo – justifica.
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“Este aplicativo é muito limitado. Não vou perder tempo”
“
Jessé David não gostou muito da brincadeira
Foto: Reprodução/Instagram
Com quase 8 mil visualizações, 34 avaliações e 177 hashtags ligadas a seu nome, o empresário Jessé David, 24 anos, ficou surpreso quando viu seu perfil no Lulu. A curiosidade de saber como o aplicativo funcionava fez David entrar na brincadeira.
– Eu baixei porque fiquei surpreso e curioso. Eu trabalho em uma holding de startups e estamos sempre ligados em tecnologia. Quando vi as notas, achei engraçado, mas acho que é recalque das mulheres – critica, apesar do bom desempenho.
O empresário acredita que o aplicativo não poderia fazer os perfis entrarem automaticamente na rede, sem permissão prévia. Ainda assim, se diverte. Ele enxerga como uma atitude contraditória uma menina elogiar um garoto com o qual se relacionou e de quem gostou, porque isso poderia entregar um bom partido de bandeja.
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– É diferente como o homem interpreta julgamento e como a mulher interpreta. A sociedade é machista. O homem leva na brincadeira muito mais do que a mulher. Eu, pelo menos, recebo os comentários na brincadeira – garante.
Outra preocupação dos homens é com os atuais relacionamentos. David conta que amigos com namorada ou casados estão saindo do aplicativo por preocupação com as possíveis avaliações das ex.
– As avaliações não mudam nada a minha vida. É anônimo, não faz sentido nenhum para mim. Este aplicativo não dura uma semana. É muito limitado. Não vou perder tempo com ele – disse.
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O que estão falando de mim?
Algumas hashtags são autoexplicativas, mas há outras cujo significado pode não ficar muito claro.
#hotncold: cara muito instável
#usarider: adaptação brasileira para #ownscrocs. Significa que ele não se veste lá muito bem.
#edmgroupie: EDM é abreviação para Electronic Dance Music. Quer dizer que o avaliado curte muito, mas muito mesmo, músicas que transitam ali no Pop/Eletrônico, do Kraftwerk nos anos 70 ao Fatboy Slim
#shouldcomewithawarning: quando o garoto é meio louquinho ou costuma destruir corações, ele deveria vir com um aviso. É basicamente o que se está dizendo com essa tag.
#toocoolforschool: se acha superior, é metido.
#movember: é uma mistura das palavras mustache (bigode) e november (novembro). Esse termo identifica uma mania nos EUA de deixar bigode (ou barba) em novembro. No Brasil, é usada para garotos que deixam bigode.
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#pantydropper: numa tradução literal, é o derrubador de calcinhas. Pega todo mundo.
#charmedmypantsoff: “me seduziu”, charmoso
#craycray: cray é uma gíria para crazy, que quer dizer maluco.
#jekyllandhyde: referência ao livro Strange Case of Dr. Jekyll and Mr Hyde, ou, O Médico e o Monstro, de Robert L. Stevenson. No mundo de Lulu, quer dizer que o garoto é, hora bonzinho, hora malvado.
Aprenda a usar o Lulu e também a sair dele, caso você não goste.