Quem nunca foi ex? O certo é que lidar com o sentimento de perda é complicado para todos, principalmente para aqueles que se acostumaram a figurar sob holofotes. A abstinência de poder, como no caso de políticos, acostumados a encantar multidões, faz com que eles atuem no ramo mesmo depois de se aposentar. Mas, dizem os especialistas, se é difícil lidar com rupturas – estruturais, de relacionamento, não importa -, imagine como é conviver com milhões delas. Ao mesmo tempo.

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Nem CPI do Cachoeira ou o veto da presidente ao Código Ambiental. O assunto que sacudiu a política brasileira na última semana foi a crise envolvendo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e o ex-presidente Lula. Esta não é a primeira vez que o petista torna-se protagonista de um episódio político desde que deixou o Palácio do Planalto e reflete como pode ser difícil para alguns se tornar ex.

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Mesmo depois de ter passado a faixa presidencial para Dilma Rousseff, Lula nunca abandonou as negociações políticas, influenciando diretamente os rumos do governo federal e do próprio PT. O ex-presidente impôs a candidatura do ex-ministro Fernando Haddad à prefeitura de São Paulo, passando por cima do PT paulista e da senadora Marta Suplicy. Na última quinta-feira, para oxigenar a pré-candidatura do seu pupilo, Lula foi ao programa do Ratinho, em mais um episódio polêmico. O ex-presidente ainda teria agido, mesmo contra a vontade de Dilma, para a instalação da CPI do Cachoeira, numa tentativa de tirar o foco do julgamento do Mensalão, o mesmo motivo da troca de acusações com Gilmar Mendes.

Para o professor de Ciências Políticas da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) Eduardo Guerini, Lula não consegue se desapegar do poder e sofre da síndrome do ex. Para ele, é importante ter o apoio de um ex-presidente, por sua experiência, na figura de um conselheiro. Guerini cita como exemplo a implantação da Comissão da Verdade, quando Dilma chamou todos os ex-presidentes vivos do período democrático para dar força à política de resgaste da história rompida pela ditadura.

– Em um pacto republicano, ter um ex-presidente apoiando garante a legitimidade – analisa.

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Para o professor do Instituto de Negócios e Política da Universidade Ave Maria, na Flórida, Ubiratan Rezende, a atuação de Lula está dentro da lógica de perpetuação no poder e garantir a reeleição em 2014. Para Rezende, a tentativa de influenciar em uma decisão do Supremo Tribunal Federal mostra que o ex-presidente age como “dono” do Estado.

– Esse tipo de atuação é péssima para o país, porque a perpetuação no poder empobrece a vida política, elimina espaços e torna o Estado um controlador da sociedade civil – diz o professor.

Dos ex-presidentes brasileiros desde a redemocratização, quem mais se distanciou da vida política foi Fernando Henrique Cardoso. Diferente do Brasil, onde os ex-presidentes têm dificuldades para deixar o poder, nos EUA há uma tradição de que os ex-governantes se afastem da vida política.

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Em geral, quando deixam a Casa Branca, os ex-presidentes americanos criam fundações ou institutos. Nesse sentido, se colocam mais na posição de conselheiros. Mas, mesmo nos EUA, a situação vem mudando. Ao contrário dos antecessores, o ex-presidente Bill Clinton continua nos holofotes, em uma postura que, para Rezende, já começa a desagradar os americanos.

– Clinton continua protagonista porque a mulher dele (Hillary Clinton) é secretária de Estado e, ao mesmo tempo, ele se lançou na campanha de reeleição do presidente Obama, que está em risco – completa o professor.