– Olá, eu moro na casa ao lado, será que dá para baixar um pouco o som – eu pedi e pensei: a delicadeza pode abrir qualquer tipo de diálogo em um sem fim de situações. Abre mesmo.
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– Diminuir? – ouvi do cara tatuado, sem camisa, lata de cerveja cravada na mão direita lotada de anéis.
– É – repeti.
– O som sai da casa de vocês, atravessa a rua e entra na minha, ocupa sala, cozinha, quartos e me faz um alienígena no meu alugado lar.
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– Como assim? – quis saber a garota de biquíni acima do peso.
– A música está alta demais. Invade o espaço de outras músicas. Eu não posso escutar as minhas músicas.As de vocês engolem as minhas. Não me parece nada justo.
– Música é festa, é alegria. Estamos na praia e em férias, vamos nos divertir – diz uma outra mulher, avançada nos 30 anos, um cigarro pendurado num par de dedos amarelados.
– Perfeito, mas não dá para fazer um acordo? Cada um com a sua música? Eu gosto de música, escuto quase todos os dias, mas nunca obriguei ninguém a ouvir as minhas bandas, cantoras e cantores favoritos.
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– Dá uma cerveja para o cara e manda ele embora – mandou uma voz no interior da casa de dois andares, uma sacada ampla com gente espalhada e com a garagem ocupada por um carro limpo e gritão. Eu vi o rótulo da cerveja e não fiz questão. Ainda bem que ninguém levou a irônica gentileza a sério. Resolvi insistir.
– E o volume do som. Vamos baixar um pouco?
– Bah, que m… – ameaçou o cara com um coração azul desenhado perto do joelho. – Baixa, baixa … – sentenciou a fumante.
Agradeci. Os decibéis caíram, eu me senti no Céu, dei meia dúzia de passos e a onda sonora voltou, me pegou pelo lado e me devolveu à Terra. Pum, bum, pum, bum, purrrum, purrum. Parei, mirei a casa vizinha com olhos assassinos, mas não notei viva alma. Entrei na minha casa, peguei o celular.
Disquei o 190. Não ouvi resposta. Busquei uma cadeira e fiquei pensando como o veraneio era bom quando cada um podia ouvir as próprias músicas sem ser detonado pelo som supersônico do vizinho.
Não é mais só o trânsito, os preços abusivos, os assaltos rotineiros e a superpopulação que fazem mal. A música é o novo martírio do mar (e da cidade também).
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