O passado de funcionário público, o jeito tranquilo e o punhado de moedas antigas sobre a mesa, herdado dos pais, fariam de Luiz Delfino Miranda, 50 anos, um aposentado típico de Joinville. Mas duas cobras vivas – uma cipó, nervosa, porém inofensiva, e uma jararaca, capaz de matar uma pessoa – em potes plásticos, na garagem de casa, tornam Delfino uma figura curiosa.
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A paixão por esses répteis – uns venenosos, outros só amedrontadores – começou com um trabalho de escola em Santos (SP), onde nasceu. O apelido que até hoje carrega, porém, foi cunhado com a chegada em Joinville, em 1987. Reforçado por matérias jornalísticas e pelo trabalho voluntário de sair à cata de cobras, Luiz tornou-se o “homem das cobras”.
O trabalho na Fundação de Meio Ambiente (Fundema) nem era para capturar animais. Era de fiscal de poluição industrial. Mas vendo que faltava gente especializada, ele começou a prestar serviço para bombeiros e comunidade. Identificava cobras, capturava quando apareciam em casas, doava-as ao Instituto Butantã, em São Paulo, ou apenas as devolvia à natureza.
Nessa brincadeira, chegou a juntar 300 cobras em casa, de dez espécies diferentes, entre vivas e embalsamadas.
– Era um entra e sai de polícia, de bombeiros trazendo cobras aqui, lembra a mulher Wanda Liberto, que aprendeu a conviver com a paixão um tanto esquisita do marido.
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A coleção reunia cobras nativas da região. Desde jararacussus, que chegam a dois metros, até dormideiras, que, às vezes, não passam de 15 centímetros. Tinha também caninanas, cobras-de-vidro e corais verdadeiras – bonitas, “dóceis”, mas que podem matar uma pessoa em minutos. Até jiboia Luiz achou em Joinville.
– Pegamos quatro na minha época de Fundema. Vinham em caminhões que transportavam madeira do Norte do País.
A pior lembrança – ou experiência, como ele prefere – foi uma picada de jararaca. Picada não: só arranhou a ponta de um polegar na presa do bicho. Foi o bastante para agonizar dez dias no hospital, ter de amputar a ponta do dedo (o veneno causa gangrena) e pedir para nunca mais sentir dor parecida.
– É uma dor fora de sério. O braço inchou até o ombro.
Em 1997, Luiz doou as cobras para um museu de Porto União. Sonhava em lutar por algo assim em Joinville, mas diz ter falta de apoio. Com a criação da Polícia Ambiental, na década de 90, deixou de capturar as cobras. Passou apenas a identificá-las e enviar exemplares para estudo. Hoje, só pega os répteis para seu trabalho principal: o de estudo.
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Ele ensina que, caso haja cobras perto de casas, a orientação é chamar a Polícia Ambiental ou os bombeiros.
– Evite matá-las. Elas são importantes para o meio ambiente e para a produção de remédios. Estão mais ameaçadas por nós do que o contrário.