Se você não sabe o que pensar sobre o acordo anunciado na quinta-feira entre Irã, Estados Unidos e outros cinco países, relaxe: muitos daqueles que deveriam explicá-lo estão na mesma situação.

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Veja, por exemplo, o que escreveu no dia 25 de março o jornalista Thomas Friedman, durante quase 30 anos o principal analista internacional do jornal americano The New York Times: “Eu posso pensar em muitas boas razões para ir adiante com o acordo nuclear com o Irã, e posso pensar em outras tantas razões para não fazê-lo. Assim, se você está confuso, deixe-me ver se posso confundi-lo ainda mais”.

Contrabalance essas palavras com as de John Bolton, ex-embaixador americano nas Nações Unidas (uma organização, não custa lembrar, fundada para “praticar tolerância e viver juntos em paz uns com os outros como bons vizinhos”), publicadas no dia seguinte às de Friedman pelo mesmo Times: “A verdade inconveniente é que apenas ação militar (…) pode alcançar o que é necessário. O tempo é terrivelmente curto, mas um ataque ainda pode dar certo”.

Muito belicoso? Tente Uri Avnery, veterano pacifista israelense, na sexta-feira, no blog Tikkun: “Devo começar com uma confissão chocante: não tenho medo da bomba nuclear iraniana. Sei que isso me faz uma pessoa anormal, quase um maluco. Mas o que posso fazer? Sou incapaz de desenvolver medo, como um verdadeiro israelense. Seja como for, a bomba iraniana não me deixa histérico”.

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Cada vez mais complicado? Não desista. A inimizade entre Irã, de um lado, e Estados Unidos e seus aliados, de outro, é relativamente recente. Durante cerca de 30 anos, o país foi o principal colaborador americano no Oriente Médio. Mas o regime iraniano, encabeçado pelo xá Mohammad Reza Pahlevi, era suntuoso, corrupto e violento.

Quanto mais sofriam em suas mãos, mais os iranianos se convenciam de que o xá e os Estados Unidos eram a mesma coisa. Quem levou mais longe essa ideia foi o aiatolá Khomeini, um velho clérigo xiita (ramo do Islã seguido por cerca de 90% dos iranianos) forçado ao exílio por Pahlevi.

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Quando o xá foi derrubado, e sua sangrenta polícia, desmantelada, em 1979, o poder logo ficou ao alcance de Khomeini e do clero xiita. Para o Ocidente, era incompreensível ver os estudantes e trabalhadores das grandes cidades iranianas aclamarem como líder um septuagenário cujas vestes negras lembravam as de Darth Vader. Doente, o xá foi acolhido com sua família pelos EUA, e a recusa de Washington em extraditá-lo fez Khomeini lançar o grito de “morte à América”. A invasão da embaixada americana em Teerã – e os documentos lá encontrados, que provavam as relações carnais entre os EUA e o xá -, com tomada de reféns, levaram os dois países à beira da guerra. E, em 1980, foi o vizinho Iraque que atacou o Irã, dando início a um

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conflito de oito anos.

De início, o velho programa nuclear dos tempos do xá (que Khomeini chegou a desativar como antiislâmico) foi retomado para fazer frente ao Iraque de Saddam Hussein. Mas, como costuma ocorrer em outros países – o Brasil dos anos 1970, por exemplo -, logo passou a fazer parte das ambições estratégicas dos militares e dos burocratas.

Em 2002, a existência de uma ampla atividade nuclear no Irã veio a público. Teerã negou que tivesse fins bélicos, mas acenou aos EUA com o fim do programa em troca do reconhecimento de seu papel como potência regional. Mais interessado em invadir o Iraque, o presidente George W. Bush rejeitou a oferta e deu início a uma série de sanções econômicas que atingiram sobretudo a indústria petrolífera, principal fonte de divisas do país.

Como Bush, seu sucessor Barack Obama sabe que os EUA continuam sendo a nação mais poderosa do planeta. Mas o tempo é de crise, e o americano médio, farto das guerras sem fim no Iraque e no Afeganistão, está pouco inclinado a ver o dinheiro de seus impostos empregado em mais uma aventura imperial. Apesar da ladainha sobre o suposto interesse de Obama em deixar um “legado” (logo ele, um ás do pragmatismo), o que o presidente fez foi reconhecer o óbvio: as sanções não paralisaram o programa nuclear de Teerã, muito antes pelo contrário.

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Por fim, de nada adiantariam as intenções da Casa Branca se os iranianos não tivessem derrotado os duros de seu próprio regime ao eleger Hassan Rouhani para a presidência, favorável à negociação. Assim, chegou-se a um entendimento pelo qual o Irã aceita, nas palavras de Obama, “o mais intrusivo” sistema de inspeção já imposto a um programa nuclear. A perspectiva de fim das sanções fez o pacto ser festejado nas ruas de Teerã como um título mundial, como mostra a foto no alto.

Agora, os adeptos dos Jogos Vorazes contra o Irã têm dois meses para implodir o acordo – em junho, será assinado o texto definitivo. Para quem desejava antes bombardear o reator de Arak, trata-se de operação infinitamente mais simples.