“Sejamos francos, companheiros: ninguém tá entendendo nada”, disse o escritor e roteirista Antonio Prata depois que a onda nacional de protestos provocou a suspensão do aumento da tarifa de ônibus em São Paulo. “Alguma coisa está acontecendo, e eu não sei exatamente o que é”, afirmou o escritor Fernando Gabeira quando 1 milhão de pessoas saíram às ruas na maior mobilização popular do país em 20 anos. Esse tem sido, com pequenas variações, o teor de grande parte das interpretações produzidas nos últimos dias sobre o que está acontecendo no Brasil.

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É notável que tanto se tenha dito e escrito sobre o país em séculos de história e, ainda assim, 2013 nos apanhe de tal forma desprevenidos. Pelo menos parte desse hiato do pensamento deve-se, por certo, a uma certa modéstia dos especialistas. Seria ingênuo pretender que pudessem surgir, no calor da hora, visões acabadas sobre fatos de tamanha escala. Mas convém não exagerar. O escritor mineiro Guimarães Rosa (1908 – 1967) colocou na boca do jagunço Riobaldo, narrador de Grande Sertão: Veredas, uma tirada que pode ser encorajadora a todos os intérpretes do Brasil: “Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa”.

Não quero me comparar em vivência e vidência a Riobaldo, esse filósofo do sertão. Sei menos que nada. Mas, quando leio que um paulistano trabalha 14 minutos para pagar sua passagem, enquanto um madrilenho trabalha seis minutos, e um portenho, um minuto e meio, fico desconfiado.

Quando vejo os governantes afirmarem em uníssono que tarifas menores inviabilizariam a prestação do serviço de transporte e, em seguida, sob pressão das ruas, decretarem reduções de 1,8% a 10%, me vejo matutando.

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Se sou obrigado a trilhar três trajetos diferentes para chegar ao trabalho em razão de alagamentos provocados por uma enxurrada, penso um bocado. E quando percebo que, em outros bairros da Capital, uma inundação restrita às ruas seria uma bênção, porque em geral a água penetra nas residências, nessas ocasiões penso mais ainda.

No momento em que me dou conta de que grandes obras de infraestrutura não funcionam de maneira adequada, como é o caso do Conduto Forçado Álvaro Chaves, em Porto Alegre, ou sequer são concluídas por conta de erros de planejamento e execução e suspeitas de fraude, como as barragens de Taquarembó e Jaguari, no interior do Estado, faço questão de pensar.

Quando alguém me pergunta se me sinto mais seguro no Brasil ou no Egito e lhe respondo que crio dois filhos a menos de 10 quilômetros do maior presídio da América Latina, sou obrigado a refletir sobre o que acabei de dizer.

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Sempre que vejo torturadores posando de perseguidos, saqueadores de cofres públicos posando de vítimas, fabricantes desonestos vendendo produtos adulterados, ministro cumprindo dupla jornada em governo de oposição, servidores que compram veículos oficiais com número da placa igual ao do partido governista, deputados usando a máquina da Câmara para defender homofobia, governos convertidos em versões políticas da Arca de Noé, o tempo para pensar começa a ficar escasso. E, ainda assim, penso.

Não fui aos protestos. Mas, se os que lá estiveram vivem no mesmo país que eu, sou capaz de ter uma vaga ideia de seus motivos. Muitos veem, por trás do que está acontecendo em São Paulo, Rio, Porto Alegre, Brasília e outras dezenas de metrópoles e cidades médias, a mão da barbárie ou do golpismo. Na minha opinião, o único traço surpreendente de todos esses acontecimentos é o espanto que provocam em alguns observadores. Esses me lembram a senhora que foi assistir ao filme Troia e levou um susto quando os gregos começaram a sair do interior do cavalo de pau.