(Da série Diálogos Impossíveis).

Maximilien Marie Isidore de Robespierre foi um dos líderes da Revolução Francesa. Chamado de O Incorruptível, foi o principal teórico e porta-voz dos jacobinos, a facção mais radical dos revolucionários, em oposição aos girondistas, mais moderados. Exigiu o guilhotinamento do rei e da rainha e instalou o Terror, que liquidou opositores da Revolução, ou apenas suspeitos de se oporem à Revolução, numa orgia de sangue que não poupou nem seu ex-companheiro Danton (o Trotski para o seu Stalin, numa analogia um pouco forçada). Pouco depois da execução de Danton, o próprio Robespierre foi preso por seus inimigos girondistas e condenado à morte. Na mesma guilhotina.

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Imaginemos que na véspera da sua execução, Robespierre recebe na cela a visita de um verdugo oficial. Que se apresenta:

– Louis-Phillipe Affilè;

– Enchanté.

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– Seu admirador.

– Muito obrigado.

– Foi por sua causa que entrei para o serviço publico. Foi ouvindo seus discursos que me decidi a servir a Revolução.

– A Revolução agradece.

– Sou obrigado a fazer esta visita, antes de cada execução. Para, por assim dizer, preparar o terreno…

– Você quer dizer, a minha nuca.

– Também devo medir a sua cabeça, para saber o tamanho do cesto. O farei com a devida reverência. É a cabeça mais brilhante da república.

– Esteja à vontade. Minha cabeça não pertence mais à república. A republica não a quis mais. Na verdade, minha cabeça já pertence a você.

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– O senhor prefere raspar a nuca?

– Como foi com o Danton?

– Ele disse que uma navalha antes da lâmina da guilhotina seria uma apoteose do supérfluo.

– Ah, as frases do Danton. Ele foi o mais frívolo de nós dois. Se contentava em fazer frases. Eu queria fazer história.

– Maria Antonieta pediu para manter todo o seu cabelo. Disse que era por razões sentimentais. Sentia-se muito apegada a ele.

– Você também foi o executor da Maria Antonieta?

– Sim. Foi no meu turno. Nós, os verdugos, não temos tido descanso. O senhor nos dá muito trabalho. Ou nos dava…

– Tudo pela Revolução.

– Eu sei. É por isso que mantenho este emprego, apesar das lamúrias dos condenados, das ofertas de propina… Tudo pela Revolução.

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– O Danton e a Maria Antonieta ofereceram propina para não serem guilhotinados?

– O Danton não. A Maria Antonieta sim. Uma fortuna. Resisti. Também sou incorruptível. Inspirado no senhor.

– E se eu lhe oferecesse uma fortuna para me ajudar a fugir?

O verdugo fica em silêncio. Depois sorri.

– Eu diria que o senhor está me testando. Para saber se minha admiração pelo senhor é sincera. E se eu sou mesmo incorruptível, como o senhor.

– E se eu insistisse na oferta?

– Então todas as minhas ilusões ruiriam. Minha admiração pelo senhor desapareceria e eu não acreditaria em mais nada. Nem na Revolução.

Silêncio. O verdugo pergunta:

– Foi um teste, não foi?

– Claro – diz Robespierre.

– E então, vamos raspar a nuca?

– Só uma aparadinha, para o corte da lâmina ser limpo.