Uma guerra nuclear. Você é o único sobrevivente. Ou uma epidemia mundial: só você se salva. E aí?

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– Aí, depende.

– Depende do quê?

– Depende de onde eu estaria, por exemplo.

– Uma cidade grande. Qualquer cidade grande.

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– Só eu? Mais ninguém?

– Só você.

– Bichos?

– Nenhuma forma de vida. Só você. E então?

– Então, depende.

– Do quê?

– Teria eletricidade, por exemplo? Pra conservar os alimentos? Ou eu viveria só de não perecíveis?

– Sem eletricidade. Sem luz. Sem aquecimento. Sem comida congelada. Sem gás.

– Quer dizer que eu teria que fazer fogo esfregando um pauzinho no outro?

– Ou entrando em supermercados e pegando caixas de fósforos.

– É mesmo! Eu poderia entrar onde quisesse e pegar o que eu quisesse, sem pagar e sem disparar o alarme na saída!

– Exato. E sem ser gravado pelas câmeras de segurança.

– Dando bananas para as câmeras de segurança!

– Isso.

– E atravessando a rua fora da faixa!

– Também.

– Estou começando a gostar. Mas vem cá, eu estaria completamente sozinho?

– Completamente. Sem nem um cachorro? Naquele filme do Will Smith, ele tinha um cachorro.

– Sem nem um cachorro.

– Mulher, então…

– Nem pensar.

– Pode ser feia. Numa situação destas, não se escolhe.

– Nem pensar. Em compensação, você poderia andar na rua à vontade. Entrar em restaurantes finos só de cueca…

– Uma coisa que eu sempre quis fazer. Fazer xixi a céu aberto, onde desse vontade. Até em estátua de general.

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– Bacana…

– Você seria inteiramente livre.

– Mas solitário.

– Mas livre. Nossos limites são os outros. Você viveria sem os outros. Portanto, sem limites. Livre.

– Como o Robinson Crusoé na sua ilha?

– Um Robinson Crusoé sem a Sexta-feira e com um suprimento inesgotável de fósforos. Exato.

– Como Adão no paraíso.

– Perfeito. Um Adão sem nenhuma perspectiva de Eva. Primeiro e único.

– E as noites de luar?

– O quê?

– E as noites de luar?

– O que que tem as noites de luar?

– Eu iria compartilhá-las com quem?

– Está bem. Esquece. Eu estou lhe oferecendo a liberdade de um mundo vazio, de um paraíso restaurado, e você vem com pieguice. Esquece.

– Só o que me faltaria seria poder comentar as noites de luar. Um par de ouvidos para me ouvir, de um par de olhos compreensivos para concordar comigo. Só.

– Está bem, está bem. Você pode ter um cachorro.