– Bem…
– Quié, Luiz Otávio.
– Não estou encontrando a marca de ervilhas que você pediu.
– É uma lata verde, Luiz Otávio. Procure bem que você acha.
– Lata de ervilha, aqui, só tem…Deixa ver. Pode ser esta? Dabeng?
Continua depois da publicidade
Continua depois da publicidade
– Dabeng?!
– Petipoá. Só consigo entender isso do que está escrito na lata. Petipoá Dabeng.
– Luiz Otávio, onde você está? Aí é a seção de importados, Luiz Otávio.
– Mas essa Dabeng não é boa?
– É muito boa. E muito cara.
– Não parece tão cara assim…
– Luiz Otávio, essas ervilhas são colhidas uma a uma por virgens no Tibete. São caríssimas. Sai daí, Luís Otávio. Procura as ervilhas na seção de enlatados nacionais.
– Epa! Olha o que tem aqui. Anchovas norueguesas. Lembra, bem?
– Lembro, Luiz Otávio. Lembro. Mas sai da seção de importados e compra o que eu pedi.
– Sabe que a latinha de anchovas continua igualzinha à que a gente comprava?
– Que bom. Mas não é mais para o nosso bico.
– Lembra como a gente comia as anchovas com pão, e aquele vinho português que eu descobri?
– Lembro, Luiz Otávio. Mas isso foi no tempo em que a gente podia.
– Sabe de uma coisa? Vou levar as anchovas.
– Não faça isso, Luiz Otávio. E sai da seção de importados imediatamente!
– Só uma latinha. Pelos velhos tempos.
– Eu proíbo você de trazer qualquer coisa da seção de importados desse supermercado, Luiz Otávio.
– Proíbe?
– Proíbo sim senhor, Sou eu que estou pagando por essas compras. Eu que cuido do nosso orçamento. Eu que controlo nossos gastos para evitar supérfluos e extravagâncias.
– Muito bem. Continue, continue. Diga que você é que está pagando porque o dinheiro é seu. Porque eu sou um imprestável. Porque eu estou desempregado. Porque não sou nada que você pensou que eu fosse quando casou comigo, eu com aquela minha pose de granfino e de entendido em vinhos. Diga que nós estamos nessa situação por culpa da minha pose. Diga.
Continua depois da publicidade
– Luiz Otávio…
– Olha, tem gente aqui me olhando enviesado. Parece que nunca viram um homem despejando sua amargura num telefone celular, dentro de um supermercado. E na seção de importados. É isso mesmo, gente. Vocês estão vendo um fracassado numa crise emocional e conjugal. Essas anchovas norueguesas são um símbolo do meu fracasso. Do fracasso de um casamento. Do fracasso de uma vida. Essas aqui, ó.
– Luiz Otávio, traz as anchovas norueguesas.
– O quê?
– Para de dar vexame e traz essas malditas anchovas norueguesas.
– É só para lembrar os velhos tempos, bem.
– Está bem, está bem.
– Vou comprar o pão para comer com as anchovas. E procurar um vinho adequado. Algo leve, sem muito tanino e com um bom final.
– Está bem, Luiz Otávio. Depois vem pra casa. Pega as ervilhas nacionais e vem pra casa.
– Certo.
– E esta é a última vez que eu peço para você ir ao supermercado.