A renúncia de um Papa ao Pontificado é rara. O último papa que chegou a tanto foi Gregório XII, em 1415, mas foi coagido a isso. Estava-se no período após a residência dos Sumos Pontífices em Avignon e, por diversas razões, um grupo de cardeais e de nações julgava que A fosse o papa legítimo, enquanto outro grupo seguia a B, e assim chegou-se a ter até três Papas simultaneamente. Para resolver o conflito, os membros do Concílio de Constança declararam depostos os dois Papas então reinantes, e Gregório, com dignidade, renunciou ao cargo.
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A última renúncia de espontânea vontade foi a do papa Celestino V, um velho monge beneditino, de nome Pietro Angeleri (ou Pietro Morrone). Como o conclave para escolher o sucessor de Nicolau IV durasse já dois anos, ele enviou carta a um cardeal amigo, que a leu ante os colegas, e estes, tomando-a como admoestação divina, em 5 de julho de 1294, elegeram Pietro como novo papa. Abandonando a caverna do Monte Mailla, onde vivia em rigorosa penitência, Celestino assumiu o pontificado, mas logo percebeu que não possuía competência para o mesmo. Por isso, ainda em 13 de dezembro daquele ano, renunciou ao cargo, sendo eleito como seu sucessor o cardeal Benedetto Caetani, com o nome de Bonifácio VIII. O novo Papa, que haveria de fazer história em sua luta contra Filipe, o Belo, ordenou que seu sucessor fosse preso. No cárcere Celestino viveu ainda dois anos. Diz-se, sem comprovação histórica, que teria sido coagido por Caetani a renunciar e que este o teria mandado envenenar posteriormente. Sobre Celestino V, o líder do Partido Comunista Italiano, Ignazio Silone, publicou, em 1968, um excelente romance, intitulado De um Pobre Cristão.
Agora, depois de sete séculos, um novo Papa renuncia. O fato não é de todo inesperado. Comenta-se que Pio XII teria deixado carta de renúncia, caso viesse a ser aprisionado pelos nazistas, mas jamais houve confirmação disso por parte fontes históricas. Mais tarde, falou-se que Paulo VI pensava em renunciar. Certa vez ele visitou o túmulo de São Celestino V, e isso levou a imprensa a especular a respeito, mas o próprio Pontífice se encarregou de esclarecer suas intenções, ao escrever que desejava prosseguir no cargo “até o final de nossos dias”. O mesmo se disse de João Paulo II, devido aos problemas que teve com a Cúria Romana, mas Wojtyla, apesar da grave doença neurológica, expirou sem renunciar.
Bento XVI também visitou o túmulo de Celestino V, em Fumone, e inclusive colocou o próprio pálio sobre a tumba. Mas jamais falou em deixar o cargo, ele que foi como que o primeiro-ministro ou o ideólogo de seu antecessor. Teólogo de renome e conservador desde sempre (quando cardeal de Munique, não aceitou que o “progressista” e renomado professor Johann Baptist Metz assumisse a cátedra de professor de Teologia na universidade local), como Pontífice redigiu alguns textos teológicos importantes, longe do radicalismo que se poderia esperar dele. E eis que agora, aos 85 anos, de maneira inesperada, comunica ao mundo, com data marcada, a própria renúncia. O texto deixa transparecer a grande humildade de alguém que reconhece não se encontrar mais em condições de dirigir a Igreja. Mas, sem dúvida, os vaticanólogos e os historiadores encontrarão também outros motivos que levaram Bento XVI voltar a ser Josef Ratzinger.
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