O público é diferente. Bem diferente. Os poucos seres humanos que acompanham se mostram mais surpresos do que preocupados em prestar atenção no que acontece. Não são pessoas em arquibancadas, como em uma prova de natação tradicional, e ainda se misturam com uma considerável quantidade de animais que têm o rio como seu habitat. Entre capivaras – uma morta, inclusive, coitada -, aracuãs e alguns bagres, Daniel de Oliveira nada.

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Literalmente.

A água barrenta e turva do Itajaí-Açu, embora bem diferente da limpidez de uma piscina, é sua parceira durante uma hora por mês para treinos. Aproveitando-se de uma ou outra correnteza e da calmaria de um dia pra lá de tranquilão ele percorre os quatro quilômetros de sempre em preparação para uma competição louca. Tão louca quanto parece ser o fato de ele dar suas braçadas em um rio que, embora nos abasteça com a água de cada dia, está longe de ser o queridinho da cidade – assunto para logo mais.

Daniel se diz mais aventureiro do que nadador. E a gente entende, afinal de contas é preciso ter menos juízo do que o normal para fazer o que ele faz. E os três ou quatro pescadores que da beira do rio acompanhavam a passagem dele – enquanto tentavam fisgar uma piava – concordam com isso. Um deles era um homem desprovido de cabelos cujo peculiar apelido é Careca do Rio. Em pé na canoa, como se estivesse em um stand up paddle sem grife, ia remando pela margem direita do rio à procura de carpas quando se deparou com o nadador.

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– Vai até onde? – perguntou.

– Até o Anel Viário Norte – respondeu.

Tás é louco – retrucou, enquanto agradecia o fato de estarmos indo embora sem assustar ainda mais os peixes que ele procurava para garantir a refeição da noite.

Hoje o Itajaí-Açu é amiguinho de Daniel. Se duvidar os dois até trocam confidências, afinal de contas faz dois anos que eles interagem. Mas nem sempre foi assim. Animado e curioso, ele sempre quis nadar lá, mas tinha medo. As histórias contadas por pais e avós instigaram esse sentimento de aversão pelas águas.

Daniel conta que achava que seria puxado, levado pela correnteza e que o simples fato de tocar o rio seria suficiente para garantir um afogamento. Não que o Itajaí-Açu seja um santo, claro. É preciso respeitá-lo e – eventualmente – temê-lo, mas não, ele não tem ares tão malignos assim. Segundo ele, a água, paradinha, paradinha em boa parte dos dias do ano, é praticamente um convite à natação.

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Não há muitos apoiadores da prática. Os amigos de Daniel, por exemplo, têm medo. Para se ter ideia ele nem pode avisá-los que vai treinar no rio. Eles tentam puxá-lo para a margem, tirá-lo das águas. Nada que impeça o aventureiro blumenauense de mergulhar e continuar a nadar.

O trajeto da natação envolve paisagens diferentes de pontos turísticos tradicionais da cidade. A prefeitura vista do centro do rio, os antigos pilares da Ponte de Ferro e a curiosa parte de baixo da Ponte dos Arcos se tornaram vistas tradicionais para Daniel. Outra coisa com a qual ele já está acostumado são os questionamentos de sua lucidez.

Tá pagando promessa? – grita um senhor que acompanha a passagem embaixo da Ponte Adolfo Konder.

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Não. Ele está só treinando.

Prova cinco vezes mais

difícil do que um Ironman

Os 3,8 quilômetros de natação, 42 quilômetros de corrida e 180 quilômetros de pedal de um Ironman cansam só de ler. E como se não bastasse treinar maratona aquática no rio Itajaí-Açu, Daniel ainda irá disputar o Quintuple Iron, no México, apelidado carinhosamente de “Ultra Thriatlon“. Sim, o nome da competição resume o que ela é.

O blumenauense embarca hoje para a América do Norte, onde disputará com outros 12 super-homens a competição de exageros. É como se ele nadasse uma distância equivalente a 47,5 voltas na pista de atletismo do Estádio do Sesi (19 km), corresse de Blumenau até Imbituba (211 km) e pedalasse de Florianópolis até o Chuí, na fronteira do Brasil com o Uruguai (900 km). É a loucura multiplicada por cinco.

O tempo limite para fazer todo o percurso é de seis dias, mas Daniel quer terminar em três. Para ser mais específico, o objetivo é fazer um tempo inferior a 73 horas e 16 minutos, que é o recorde mundial. O blumenauense projeta – de forma otimista – 72 horas como suficientes.

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– Quero fazer natação e pedal em menos de 48 horas, para ter um dia inteiro para correr os 211 quilômetros e conseguir essa marca – destaca Daniel.

Sem dormir durante a prova e com pequenos intervalos para comer e se hidratar, o triatleta terá um staff de três pessoas (a esposa Carolina e um casal de amigos), para dar todo o suporte. A competição é feita em formato de circuito, sem a necessidade de se deslocar de um lugar a outro dentro do território mexicano. A prova terá a largada dada na segunda-feira.

Nadar no rio não é bom,

mas não é tão ruim assim

Cinquenta anos atrás nadar no rio Itajaí-Açu era algo inimaginável. A poluição da água era tão intensa que comer qualquer pescado oriundo de lá era praticamente um suicídio. Hoje em dia a situação é mais tranquila graças à conscientização dos cidadãos e, principalmente, das empresas.

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O biólogo e ambientalista Lauro Bacca conta que quando Blumenau tinha 150 mil habitantes, pouco menos da metade do que tem nos dias atuais, a situação era muito mais grave. Fábricas depositavam resíduos no rio, postos de gasolina jogavam óleo, lixões ficavam às margens e as pessoas tinham uma cultura diferente – como, por exemplo, jogar animais mortos nas águas.

– O rio estava demonizado, atacado por nós. Hoje melhorou muito do que era antigamente – conta Bacca.

Na opinião da enfermeira-doutora Ivonete dos Santos, gerente de Vigilância Epidemiológica de Blumenau, nadar no Itajaí-Açu se assemelha à prática no mar. Ela explica que embora o personagem desta matéria nunca teve algum problema de saúde, outra pessoa pode ter. É algo relativo. Ao mesmo tempo Ivonete concorda com Bacca quando ele diz que a situação do rio melhorou muito de algumas décadas para cá. Para Daniel, os riscos são os mesmos na água doce ou salgada.

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– Não é qualquer pessoa que pode nadar no Itajaí-Açu, isso é óbvio. Eu tenho anos de experiência e mesmo assim fico com um pé atrás quando vou treinar. Mas é um fato dizer que os riscos do rio são os mesmos do mar – finaliza o triatleta.