Prestes a ser demolido, o tradicional trapiche da Praia da Saudade, na região continental de Florianópolis, é emblemático de como nossas instituições vêm tratando símbolos importantes para a preservação da memória. Ponto de encontro e lazer de moradores entre as décadas de 60 e 70, o local está totalmente em ruínas e sem condições de reformas – situação que justifica a prudente recomendação de retirada do píer feita pelo Ministério Público do Estado depois de inspeção realizada pela Defesa Civil. O que deve ser questionado, e com rigor, é a lógica que permitiu que a estrutura chegasse a esse estado de deterioração sem uma mobilização pela restauração – seja por parte do poder público ou por segmentos da iniciativa privada.
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No caso em questão, que reacende esse debate, o fato é consumado – o que não tem remédio, remediado está, diz o ditado popular -, mas precisamos de uma cultura diferente para as coisas públicas. A valorização da identidade local exige outra postura, que passa pelo reconhecimento e, principalmente, pela conservação de tudo o que contribui para a qualidade de vida de uma comunidade e de uma forma ou de outra moldou comportamentos e costumes.
Não podemos mais aceitar que determinadas construções deixem de ser de uso coletivo – passem a ser, como o trapiche, refúgio de consumidores de drogas – e tenham de ser derrubadas por absoluta falta de manutenção das condições estruturais. Ao longo dos anos, vários ícones desapareceram. Alguns reverenciados até hoje, como o Miramar, que reuniu a elite florianopolitana entre os anos de 1928 e 1974 no Aterro da Baía Sul.
Há uma reflexão importante a ser feita sobre o resgate do desenvolvimento empresarial, cultural, comportamental e gastronômico dos grupos urbanos. E como, aos poucos e quase imperceptivelmente, mudam cenários, costumes e referências tão caras aos moradores e visitantes.
Não se trata de alimentar um saudosismo gratuito, mas sim de conhecer as histórias e tradições que resultaram nas cidades que temos hoje. É triste perceber que jogamos a memória das coisas no lixo. Por que não conservar, cuidar? Quando vamos inverter essa visão?
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