Em 2000 e anos subsequentes, Juca de Oliveira escreveu e encenou a peça de teatro “Caixa 2”. Era uma comédia. O script contava a história de um banqueiro mau-caráter que depositou R$ 10 milhões na conta da secretária, uma laranja de um negócio podre. Só que, por equívoco, o dinheiro parou na conta do gerente. Na peça, a confusão acelera, os mal-entendidos, revela as falcatruas, entremeia amores e mostra o comportamento de cada um em face das circunstâncias. O texto surgiu da compreensão de que o Brasil era um sumidouro de dinheiro, a beneficiar castas e privilegiados. Enojava o ator-autor, como disse em variadas entrevistas, à época.
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“Caixa” 2 foi um arrebatador sucesso de público. Parecia um noticiário de TV. E isso atraía cada vez mais gente para as salas lotadas, em diferentes cidades por onde passou. A peça fez a mim, e a mais de 600 mil espectadores, rirem muito durante 85 minutos. Não deveríamos ter nos divertido tanto.
A história, nem tão ingênua assim, sugeria, com humor, as desgraças comportamentais da sociedade que aprendeu a conviver com a corrupção, como se ela devesse ser algo normal no dia a dia das relações comerciais e no complexo mundo que une corporações e políticos. Naquele momento, retratava uma situação histórica, que parecia estarmos rumo ao fim do mundo.
O ano de 2017 nos ensina que caixa 2 é apenas uma expressão frequente, que sai dos lábios sem nenhum pudor há pelo menos 30 anos. Na verdade, com nomes diferentes, o caixa 2 aparece no Brasil desde que os índios receberam espelhinhos.
O ano de 2017 nos ensina que caixa 2 é a prática mais corriqueira da corrupção. Tão natural, que é pronunciada ao longo dos anos com um sorriso cúmplice e de desdém inaceitável. Como sociedade, não identificávamos a prática do caixa 2 como algo irregular. Ele, o caixa 2, integrava as conversas cotidianas dos brasileiros ao se referirem a negociatas. E como há!
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A semana que acaba nos diz bem mais a esse respeito. “Caixa 2” não é apenas um dinheiro por baixo dos panos, entregue para o parceiro que se corrompe por milhões de reais – e não mais por 30 dinheiros, como conta a história, ao tempo de Jesus Cristo. Ficamos sabendo, de repente, que uma família – Emílio e Marcelo Odebrecht, pai e filho – é a verdadeira e inconteste face do poder.
Nós, eleitores compulsórios (o voto é obrigatório), sempre elegemos nossos representantes, tanto para os cargos executivos (governador e presidente da República), quanto para o parlamento (deputados e senadores), imaginando que eles mandavam alguma coisa. Enganamo-nos demais por tempo demais. Os fatos mostrados pelas planilhas, pelos áudios e pelos vídeos disponibilizados pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, nos contam algo bem diferente.
Quando votávamos nas urnas nos candidatos definidos pelos partidos políticos, na verdade estávamos elegendo, continuadamente, a família Odebrecht para presidente, para governador, para deputado, para senador. Por três décadas, os Odebrecht mandaram em tudo. E nos, pobres mortais, achando que tínhamos ¿representantes¿. Não, não os temos. Sem mostrar a cara abertamente, os Odebrecht utilizaram-se de prepostos eleitos por nós para nos roubar.
A simbiose do poder econômico com os políticos nos conduziu ao precipício. Moral, ético e em tantas outras esferas quanto as há. Se não cairmos, teremos a grande oportunidade de nos modificar. Dizem que a proximidade do fim, sem que ele ocorra de fato, tende a provocar reflexões profundas nos sobreviventes da tragédia. Vivemos este momento. Saberemos aproveitá-lo? Não se na província o tema mais empolgante for galos adotivos.
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