O navegador Amyr Klink mostrou a importância do planejamento para aprender a superar obstáculos nas condições mais adversas, e destacou que o mais importante é ser agente ativo dos fatos, em palestra de abertura no Congresso Nacional de Engenharias da Mobilidade, realizado na terça-feira, em Joinville. Confira os principais trechos de sua fala.

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A Notícia – O senhor é experiente navegador por regiões inóspitas. Há medo nas viagens?

Amyr Klink – Gosto de fazer as coisas acontecerem. Em Paraty, onde moro, descobri a mobilidade sobre a água. Sempre tive – e tenho – medo do mar. Antes de decidir navegar pelos mares, me apaixonei pelo remo. Não gosto de futebol.

AN – O senhor fez economia na USP?

Amyr – Fiz um péssimo curso de economia na USP. Professores estavam mais preocupados com carreiras políticas do que com as aulas. Hoje tenho empresa e construímos soluções náuticas. Tenho jovens como sócios. Eles detestam minha casa. Não tenho luz elétrica. Não deixo instalar. Também não deixo estrada passar em frente.

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AN – Como é?

Amyr – Simples. Vou remando de casa até a padaria. Adoro! O único problema é quando vou ao banco. Não me deixam entrar com o remo. Em Paraty ninguém pensa em roubar o barco. Já os remos…

AN – Por que prefere morar assim, numa era de tantas possibilidades e de muito conforto?

Amyr – Eu gosto da minha casa porque fui eu quem fiz. Não gosto muito das coisas já prontas, já feitas.

AN – O senhor fazia o quê antes de se dedicar às viagens pelos mares?

Amyr – Já trabalhei em corretora de imóveis, por exemplo. Detestava. Detesto ter de tentar convencer os outros. Não queria vender lotes, aquela conversa de vendedor.

AN – Como chegou ao remo?

Amyr – Uma vez, às 4 da madrugada vi um grupo de oito pessoas num barco nas raias de um clube. Fiquei empolgado. Era isso o que eu queria fazer. Fui lá na manhã seguinte. Disseram-me que, para remar, precisava correr 12 quilômetros por dia sem parar. Fiz isso por seis anos, três horas a cada dia: das 4 às 7 da manhã. Foi ali que aprendi disciplina, persistência, trabalho em equipe, solidariedade.

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AN – O que o remo te ensinou?

Amyr – O remo é um compromisso de verdade. Remar não tem folga. É toda manhã, sábado, domingo, feriados, com sol, com chuva. Os amigos de verdade eu os fiz no remo. Não são os das viagens de veleiro.

AN – Hoje, o senhor é consultor…

Amyr – Exatamente. Houve uma ocasião mais ou menos recente em que uma empresa estava se remodelando. E sugeriram a bússola como símbolo. Reagi na hora. A bússola não serve para nada! Ela indica a direção. E eu quero a posição de onde estou. O mar me ensinou isso.

AN – E os teus equívocos foram muitos?

Amyr – Tive muitas dificuldades financeiras. Oficial de Justiça vinha até em casa. Depois de dois anos de inferno financeiro, fiz o barco errado. Depois de muita luta, no dia 9 de junho de 1984, às 5h25 da manhã, coloquei o barco pronto na África do Sul, e consegui chegar ao Brasil depois de cem dias.

AN – O que deu errado?

Amyr – Eu estava feliz. Não porque venci a natureza… a gente nunca vence a natureza. Estava feliz porque cumpri com meu plano… cheguei cinco dias antes. E estava triste porque a viagem tinha acabado. Passei do lado de cardumes de baleias; ultrapassei ondas de sete metros de altura.

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AN – Sim, mas o que deu errado?

Amyr – Deu errado porque me programei para uma viagem de 106 dias. Um amigo meu me perguntou quanta água tinha sobrado. Respondi: sobrou um litro e meio. Eu queria ter chegado de volta com sobra zero de água.

AN – O que essa experiência te ensinou?

Amyr – Adorei a experiência porque aprendi que não há espaço para erros.

AN – É muito perigoso navegar?

Amyr – O momento mais perigoso foi quando fiz o projeto. Durante dois anos fiz o desenho de um barco que não ia capotar nunca. Um barco de cinco metros por 1,5 metro. Foi quando um professor amigo me disse algo fundamental: a capotagem vai acontecer, sim. A capotagem é o problema. Então você tem de resolver o problema. E não fugir dele.

AN – E aí, como o senhor reagiu?

Amyr – Os problemas, no mar, são muitos. Ninguém morreu de exaustão por navegar em alto mar. Muitos morreram por escolher a rota errada. Outros por fazer dieta equivocada.

AN – É complicado projetar um barco sabendo que pode capotar no mar?

Amyr – Estou em Joinville num evento com auditório de estudantes de engenharia. A coisa mais legal do mundo não é viajar e fazer fotos. É “estar na foto”. Ser protagonista, fazer as próprias coisas. Hoje todos tiram fotos de celular, fazem selfies… A simples foto tirada de algum lugar nunca vai me dar as sensações de estar naquele lugar. A foto não vai me dar o cheiro, por exemplo. “Construir a foto” – no caso o veleiro – é sensacional.

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