A filósofa e escritora Viviane Mosé foi a atração de debate promovido pela Católica de Santa Catarina na última semana em Joinville. No evento Átrio dos Gentios, junto com o teólogo Marcial Maçaneiro (à esquerda na foto) e Fabiano Incerti, diretor do Instituto Ciência e Fé da PUCPR, que promoveu o evento, ela protagonizou 70 minutos de reflexão. A seguir, os principais argumentos da pensadora.
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Como enxerga os tempos atuais?
Viviane Mosé — Vivemos tempos dificílimos. A crise atual é bem mais profunda do que se fala. Vivemos uma crise civilizatória. A vida está perdendo valor. Um exemplo é o exagerado uso de medicação psiquiátrica por parte das pessoas.
O mundo está individualista.
Viviane — O ser humano está exaurido. Falta respeito aos outros em muitas ocasiões. Nós nos fortalecemos em grupo, e isso está se perdendo. Em relação a isso, ainda é importante lembrar que ética é conduta, acordo, e é ordenador social como princípio moral.
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A noção de hierarquia e de poder tem se modificado…
Viviane — O Egito foi a primeira civilização a criar uma noção de hierarquia, como a percebemos ainda hoje: a pirâmide. A pirâmide é honra ao triângulo. Vem daí o conceito de gestão piramidal, na qual um predomina sobre os demais no mando. Essa lógica foi dominante até “ontem”.
Na sequência…
Viviane — Vieram a Grécia, Platão, Sócrates. Então, saímos do chão e ingressamos no ideário das emoções e de elementos marcadamente identificados com a caracterização de hospitalidade. Homero nos conta isso muito bem. O princípio da hospitalidade é fundador da democracia, de harmonia, de diálogo: receber bem um ao outro.
O que este princípio tem a ver com economia?
Viviane — Daí se fortaleceu a ideia de viagens. Ir a outros lugares. Ir ao encontro do outro. E com elas, as viagens, surgiu, adiante, a atividade turística, que, em última análise, é visitar. As visitas aproximam, unem, enriquecem. Do ponto de vista filosófico, o princípio da hospitalidade interconecta-se com o princípio da fragilidade. Aliás, este antecede o princípio da hospitalidade. Em síntese: eu preciso do outro. O outro precisa de mim.
O advento da técnica mudou isso.
Viviane — A Idade Média valorizou a fé e a ética fundamentada em princípios morais. Na sequência, sobrevieram a técnica e o discurso científico. Descartes nos mostrou isso, o pensamento que opõe ciência e fé. No século 18, chegou-se à ciência sem fé; um discurso excludente.
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A ciência trouxe problemas?
Viviane — A ciência modernizou os países, mas sua narrativa, desde então, destruiu o meio ambiente, por exemplo. Falhamos como projeto de sociedade. Hoje, não se tem mais ciência; hoje, se tem tecnologia.
No mundo contemporâneo, a noção e a prática de instrumentos tecnológicos só aumentam, e as redes sociais vieram para ficar e transformar.
Viviane — Sou fã da internet. A rede social é fenômeno temporal. Seu formato é excludente. Discute-se política entre amigos. É a pior discussão. Mas o bom da internet é que a ordem dela não é a ordem de um que manda, um que dirige. Acredito que a internet vai trazer a sociedade para ser mais justa. Ela permite a capacidade de articular e nos dá a dimensão de como nos comportamos.
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A internet é produto da tecnologia em uma sociedade capitalista.
Viviane — O capitalismo está num momento de exaustão. Nasceu com o mercado consumidor. É mais ou menos assim: no começo, com ofício de produzir, você compra o produto, sapatos, por exemplo. Depois, com o surgimento da divulgação (marketing, hoje), compramos uma ideia; agora, você compra um desejo, você compra a frase, não mais um produto. Hoje se compra esta frase: “Você está linda com estes sapatos”.
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O trabalho perdeu importância para se ter sucesso?
Viviane – Não é exatamente isso. Acontece que hoje, para se ter sucesso, basta ter “curtidas” na rede social, no Facebook. O mundo atual vende imagem.
A imigração é fenômeno recorrente na história dos povos. Que efeitos tem sobre a vida das pessoas? Viviane — Sempre foi assim. Desde os primórdios, há inúmeros exemplos. Atualmente, o deslocamento se dá, de maneira mais visível, na Europa. A imigração está arrebentando com as fronteiras. A Europa será obrigada a se rever. Nesse sentido, retorno ao início de nossa fala. Precisamos, enquanto sociedade, criar, de novo, o espírito de hospitalidade. Aprender a conviver com as diferenças se tornará cada vez mais essencial.