Após dois finais de semana com medidas de isolamento social que se aproximam de um lockdown, apenas com serviços essenciais funcionando, o governo de Santa Catarina resolveu manter as medidas apenas para este sábado e domingo, e não para os outros dias. No momento mais duro da pandemia do coronavírus, a decisão é criticada por especialistas e, conforme mostram os dados oficiais, não mostrou eficácia nas últimas semanas.
Continua depois da publicidade
> Brasil precisa de lockdown nacional e “extremamente restrito”, diz Miguel Nicolelis
> Clique aqui e receba as principais notícias de Santa Catarina no WhatsApp
O índice de isolamento social medido pela plataforma In.Loco, que monitora o país inteiro por sinal de celular, mostra que os últimos dois finais de semana em Santa Catarina, com as novas medidas em vigor, não trouxeram uma mudança significativa na movimentação das pessoas.
No primeiro domingo com as regras valendo, no dia 28 de fevereiro, o índice ficou em 55,3%. Representou um crescimento em relação às semanas anteriores e, naquele momento, chegou a colocar SC entre os estados do Brasil com a maior taxa de isolamento. No entanto, o número fica abaixo de domingos no mês de dezembro, por exemplo, quando as restrições não existiam em SC e a situação da pandemia estava mais controlada. No dia 6 de dezembro, por exemplo, o índice de isolamento foi de 56,4%.
Continua depois da publicidade
Já no último domingo (7), a taxa foi ainda menor, de 49,3%. O índice é abaixo de vários domingos de fevereiro e janeiro, quando o “lockdown” de fim de semana não existia. No dia 17 de janeiro, por exemplo, o número foi de 51,7%, e 55,2% em 24 de janeiro.
Da mesma forma, as últimas restrições ainda não apresentaram um impacto na redução de casos ativos de Covid-19 em Santa Catarina, que continuam em alta e registrando recordes. Conforme o boletim do Estado desta sexta (12), 38,8 mil pacientes estão infectados e em tratamento no momento. No dia 26 de fevereiro, véspera do início das medidas, eram 33,4 mil casos ativos.
Em resposta enviada ao Ministério Público Federal (MPF) no início da semana, sobre uma recomendação de lockdown por 14 dias em SC, o Secretário de Estado da Saúde, André Motta Ribeiro, disse que Santa Catarina adotou “medidas duríssimas” nos últimos dias, como as restrições de circulação à noite e aos finais de semana.
> Lockdown em SC na Justiça: entenda o processo que pede restrições por 14 dias no Estado
“São 55 horas de restrições visando a redução de circulação e aglomeração de pessoas no período em que se constatou justamente a maior disseminação do vírus, por conta de uma maior ocorrência de encontros, reuniões e aglomerações irregulares”, disse no ofício.
Continua depois da publicidade
Se você não tem medidas mais sérias, restritivas, não vai funcionar. Não reduz a taxa de contágio para menos de 1% e não funciona. E lá na frente [os governantes] vão dizer que as medidas de restrição não servem. Julio Croda, infectologista e pesquisador da Fiocruz
Especialistas afirmam que medida não tem efeito
Os números vão ao encontro da opinião de especialistas de Santa Catarina e do Brasil inteiro, que argumentam de forma enfática: a adoção de um lockdown apenas durante os finais de semana não resolve o problema de Santa Catarina.
Pesquisador da Fiocruz e uma das referências do país sobre a Covid-19, o infectologista Julio Croda afirma que se trata de uma medida paliativa e sem resultados práticos:
– Se você não tem medidas mais sérias, restritivas, não vai funcionar. Não reduz a taxa de contágio para menos de 1% e não funciona. E lá na frente [os governantes] vão dizer que as medidas de restrição não servem.
> Imagens flagram pacientes com Covid em Chapecó em poltronas e leitos improvisados
Croda rebate também as alegações de que o lockdown aos finais de semana ou a proibição da venda de bebidas alcoólicas à noite podem reduzir outras internações que necessitam de UTI, como as por acidentes de carro, e consequentemente aliviar o sistema de saúde:
Continua depois da publicidade
– Esses leitos até podem ficar preservados por uma redução dos acidentes de trânsito, mas rapidamente serão ocupados por Covid porque esse vírus é bastante cruel, ainda mais no contexto da variante que afeta mais jovens, e jovens ficam mais tempo internados. A preparação que foi feita [de leitos de UTI] no primeiro momento era no conceito da outra variante. Agora, para a nova, você precisaria do dobro de leitos. A única forma é desacelerar a transmissão.
Sobre o embate entre saúde e economia tão citado quando o assunto é lockdown, o infectologista destaca que medidas inócuas acabam afetando os dois pontos por não resolverem o problema.
> Profissionais de saúde pedem lockdown em Florianópolis: “Oxigênio está a ponto de acabar”
– Vão continuar as duas coisas, o impacto econômico e o da saúde, pois não vai reduzir a ocupação de leitos. A gente tem o modelo que funciona, que é o lockdown. Em Araraquara-SP, em 10 dias, reduziu 37% o número de casos – destaca, citando a cidade paulista que fechou todos os serviços nas últimas semanas.
“Não me parece lógico”
A medida adotada por Santa Catarina nos últimos dois fins de semana e prorrogada para este tem sido alvo de críticas constantes. Em entrevista recente à NSC TV, o ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, disse que “não parece que vai fazer alguma diferença”:
Continua depois da publicidade
– A sensação que me dá é que quando você imagina que vai ter que esperar duas, três, quatro semanas para ver uma diferença, e você para dois dias e volta cinco, não me parece muito razoável que isso vai fazer alguma diferença. Não me parece muito lógico isso.
A crítica foi endossada nesta sexta-feira (12) pelo epidemiologista Pedro Hallal, que coordenou a maior pesquisa sobre Covid-19 no Brasil. Para ele, o único caminho é um fechamento total do Estado:
– Para que a gente pudesse manter essas restrições só no final de semana e na madrugada, a gente tinha que combinar com o vírus: ‘olha, durante a semana tu não infectas ninguém, só no final de semana’. Não existe isso. É o momento de um fechamento rigoroso, eu diria de três semanas. Os setores econômicos que estão ingressando contra essa medida estão equivocados. Inclusive, pelo interesse econômico deles. A economia desses setores vai se recuperar de forma muito mais rápida se o vírus parar de circular desse jeito em Santa Catarina – destacou.
Continua depois da publicidade
Leia mais
Governo se prepara para crescimento de mortes por Covid-19 em SC
“Covidário Brasil”, desabafa infectologista de Joinville sobre colapso na saúde
Painel do Coronavírus: saiba como foi o avanço da pandemia em SC