Quando o caminhão vira a esquina para acessar a rua, não tem quem não saiba do que se trata. Enquanto alguns moradores vão correndo para colocar os sacos de lixo para fora de casa, outros saem para cumprimentar os lixeiros, oferecer um copo d’água, um café ou simplesmente dar um “oi”. É assim o dia a dia de dois simpáticos trabalhadores Valcioni Fernandes de Agaci Filho, o Teco, de 38 anos, e Daniel da Silva, o Papinha, 39, da Autarquia de Melhoramentos da Capital (Comcap).

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Todo mundo deve saber que vida de lixeiro não é fácil. Além de trabalhar com lixo e correr todos os riscos da profissão, eles ainda enfrentam o preconceito de algumas pessoas. Diante desse cenário, Valcioni e Daniel fizeram uma escolha: trabalhar sempre com um sorriso no rosto e fazer do dia a dia uma alegria. E não é que isso deu certo. Por onde passam eles arrancam sorrisos, cumprimentos, abraços e conquistaram dezenas de moradores da rota do Pântano do Sul e Campeche, no sul da Ilha.

— É meio que coisa de família, a gente acaba passando mais tempo com eles do que em casa. Nosso trabalho é difícil de realizar, não é qualquer pessoa que se propõe a fazer o que a gente faz. Se trabalharmos de cara amarrada, o serviço não anda. Por isso, fazemos brincadeiras e criamos um laço de amizade com a comunidade — conta Valcioni.

Ele começou na Comcap há 10 anos e Daniel há sete. Não é à toa que já são conhecidos dos moradores. E não tem idade, são crianças, idosos, jovens e adultos. Segundo Valcioni, eles são diariamente presenteados com o carinho da população, mas nas datas festivas, como no Natal, sempre tem um presentinho a mais, nem que seja uma caixa de bombons.

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— Tem senhoras que fazem questão de dar um presente no Natal e um abraço. Teve uma vez que as crianças de uma rua no Campeche nos surpreenderam, fizeram uma mesa com café da manhã pra gente sentar e tomar café com eles. Tenho até foto com eles abraçados — relembra Valcioni.

Daniel conta que há comerciantes que abrem a porta de casa para que eles tomem um café e outra moradora da Costa de Cima, que é cadeirante, mas faz questão de ir até a rua cumprimentar os amigos.

— É um serviço perigoso, mas nós temos sempre bons momentos de alegria que fazem a gente seguir em frente — comenta Daniel.

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O aniversário da Maria

Em meio a correria do trabalho, uma menininha pra lá de amorosa chamou a atenção dos lixeiros. O nome dela é Maria Isabelle Magalhães da Cruz, do Campeche. No dia 11 de agosto ela completou 5 anos. A mãe, Debora Magalhães Luz, 34, conta que durante o planejamento da festa perguntou para a filha quem ela queria convidar. Amiguinhos da escola, familiares, primos, vizinhos e os moços do caminhão. Isso mesmo, os lixeiros foram convidados de honra.

— Fizemos o convite e esperamos uma semana até o caminhão passar e saímos correndo para entregar o convite, porque eles sempre passam muito rápido. A Maria foi até um deles (o Daniel), ele parou, se ajoelhou, tirou a luva e ficou sem reação de receber o convite. Eu fiquei emocionada — relembra Debora.

A família não acreditava que os moços do caminhão compareceriam à festa. Mas, no dia marcado, às 15h, lá estavam eles. Valcioni e Daniel foram um dos primeiros a chegar. A comemoração foi num sábado, depois do expediente dos lixeiros, mas, claro que eles foram vestidos com a roupa de trabalho, afinal, é assim que Maria os vê quase todos os dias.

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— Achamos que estávamos dando um presente pra ela, mas quando a gente chegou lá os presenteados fomos nós. A atitude de uma criança, querendo ou não, inspira muitas pessoas a ter um melhor relacionamento, a não ver o gari apenas como um catador de lixo, a ver como um ser humano que está ali desempenhando um trabalho de forma honesta, a gente desempenha uma função na sociedade — diz Valcioni.

Uma longa história

A amizade entre Maria e os lixeiros começou quando ela era um bebê e deve seguir para o resto da vida. Toda vez que o caminhão vira a esquina, ela corre para a janela ou, na companhia na mãe ou do pai, vai até a rua para conversar com os amigos e dar um abraço. Até em dias de chuva ela não deixa passar em branco, sempre dá um oi.

— Pra mim eles são iguais a todo mundo, não tem porque diferencia-los, por isso acho muito bonita essa amizade e tenho orgulho da minha filha. Ela vai levar isso para o resto da vida — diz Debora.

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Pai de primeira viagem, Valcioni, nas horas vagas, constrói com as próprias mãos os móveis do quarto do filhão, que deve vir ao mundo daqui um mês. Mas o que ele mais deseja passar para o filho é algo muito mais valioso.

— A educação que eu quero dar para o meu filho é a mesma que os pais da Maria dão pra ela.

A boa educação, um sorriso, um bom dia não fazem mal a ninguém. Falando nisso, quer deixar um gari feliz? Quando passar por ele dê um bom dia.

— Faz mais bem a quem dá do que para quem recebe. Quando você dá um bom dia, está sujeito a receber outro e o dia começa conforme a gente quer, bem ou mal, só depende de nós. A vida é muito curta, então não diferencie uma pessoa ou rebaixe ela pelo o que ela faz — ensina Valcioni.

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