Deitar na cama ao lado da minha filha para ler um livro é um dos prazeres mais íntimos e gratificantes do exercício da maternidade. Não vou aqui fazer a mãe perfeita e dizer que toda semana eu e minha pequena nos deliciamos na leitura. Mentira. Mas nos nove anos de vida dela, posso assegurar que viajar pelas histórias infantis fez e faz parte do nosso cotidiano.

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Humildemente acredito que o hábito influenciou positivamente na paixão que ela tem por livros, mas também foi bem divertido pra mim. Como são criativos estes autores infantis. Que boas histórias, boas lições, boas risadas e bons insights eles nos proporcionam para a atravancada vida moderna.

Pensando nisso, eu e Cris Cordioli reunimos aqui – neste Dia das Crianças – um apanhado de leituras incensadas apreciadas nos últimos meses. Posso garantir: são 20 ou 30 minutos de dedicação exclusiva aos nossos pimpolhos que fazem um bem danado para todos nós.

Estranho, mas nem tanto

Cris Vieira

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Tadeu Bartolomeu É Novo na Escola é livro para se divertir, com uma breve pitada de lição de moral. Afinal, que criança nunca chegou do colégio contando que tem um amiguinho novo e estranho na sala?

Tadeu é o aluno novo. A narrativa é feita pela coleguinha que senta ao lado dele. O lanche do menino é embalado com o nome dos nutrientes. Ele não pode fazer Educação Física nem tomar sol. Na casa dele não tem TV e ele lê jornais. Agora só falta aparecer um guri marrento para fazer bullying com Tadeu, certo? Que nada! O autor David Mackintosh dá o recado sem estereótipos.

Tadeu faz uma festa de aniversário e convida todos os amigos. A narradora tem certeza que vai ser chata, mas a mãe a obriga a ir. Chegando lá, tudo é o maior barato. E há novas brincadeiras e ideias maneiras na diferença de Tadeu.

As ilustrações do livro são riquíssimas e vale a parada para olhá-las uma a uma.

Tadeu Bartolomeu É Novo na Escola. De David Mackintosh. Editora Caramelo. Tradução de Mila Dezan. 32 págs. R$ 32 (preço médio). Indicação: oito anos a 11 anos

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Clarice aos pequenos

Cris Vieira

O Mistério do Coelho Pensante é para ler entre pais e filhos. Aos motivos: a obra é o primeiro livro infantil de Clarice Lispector uma boa oportunidade para apresentar a escritora-diva para as crianças. Eu contei logo que adorava a autora, porque ela sabia como poucos expressar a alma humana. E também porque escrevia muito bem.

– Belê – foi o que a minha filha respondeu.

A própria Clarice, no prefácio do livro, diz que o escreveu para seus filhos e que ele é uma conversa entre mãe e filho. Ela pede desculpas por não explicar as “entrelinhas” da histórias, mas que ao mesmo tempo isso pode servir como um bom papo entre adultos e crianças.

A leitura corre solta. As 46 páginas passam voando. O coelho Joãozinho nos permite várias metáforas. Ele tem ideias quando franze o nariz. Mas sua paixão são mesmo cenouras e ele encontra um jeito de fugir de sua gaiola sempre que tem vontade de comê-las. Nos passeios pelo bairro, descobre outras coisas boas de cheirar e, assim, conclui “que gostar é quase tão bom quanto comer”.

Como Joãozinho sai da gaiola? Esse é o mistério que Clarice não nos responde.

– Alguém deve libertá-lo todo dia sem o dono dele ver – disse eu, bem prática.

– Que nada, mãe. Ele é um coelho mágico que desaparece da gaiola e aparecer onde quiser!

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Psiu… A Editora Rocco acabou de relançar O Mistério do Coelho Pensante, com capa dura, e ilustrações de Kammal João.

O Mistério do Coelho Pensante. De Clarice Lispector. Editora Rocco. 48 págs. R$ 39,50 (preço médio). Indicação: oito anos a 11 anos

Um sofá para três

Cris Cordioli

Três amigos para sempre, Elis, Rafa e Marina, em uma rodinha animada para ler vários livros. Cada um havia escolhido o seu. Rafa apontou para O Sofá que Engolia as Crianças, de Mariza Tavares, e exigiu silêncio das amigas na hora da leitura. A escolha fazia todo sentido, já que garras de um gato e um sofá com uma língua enorme ilustram uma capa bem menino que adora aprontar. Mas a história encantou os três.

Um sofá velho, que era parceiro de várias aventuras na casa de uma doce avó, é substituído por um novinho em folha. O novo, com sua etiqueta cuidado para não rasgar ou sujar, armou uma doce arapuca para as crianças. Para que elas não tivessem energia para pular e colocar em risco seu garbo e elegância, as encheu de guloseimas. E se não bastasse, ao descansarem sobre o novo estofado, os pequenos foram engolidos para um mundo cheio de doces. A lista de delícias era grande, mas Elis e Marina não se animaram, já que faltava um líquido sagrado para elas no tal paraíso.

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– Ah, não tem suco de uva? – perguntou Marina.

– É, e na casa da minha vó não tem sofá novo, mas tem suco de uva – comentou a Elis.

Rafa continuava concentrado no enredo. As crianças do livro, empanturradas, começaram a reclamar do tédio. Quem salva a turma é um gato esperto, o Bóris. No final, a lição de que doce é bom, mas brincar na casa da vovó – ainda mais no sofá novo – é melhor ainda, conquistou a todos.

– Sou ou não sou um bom escolhedor de livros? – indagou Rafa, faceiro, folheando mais uma vez o divertido livrinho.

O Sofá que Engoliu as Crianças. De Mariza Tavares. Editora Globinho. 32 págs. R$ 36 (preço médio). Indicação: cinco a oito anos

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Pingos de magia

Cris Cordioli

O colorido de uma capa linda colocou Aquarela, de Janaina Tokitaka, nas pequenas mãos de unhas tão coloridas quanto. Com pingos e versos delicados, o livro que nasceu para mostrar em forma de poesia como as cores mais belas às vezes se escondem onde menos esperamos, vai encantando Elis.

As cores contam histórias em desenhos lindos em que a água aparentemente incolor ganha vida e vira uma aquarela. Lá pelas tantas, ouso perguntar o que Elis está achando, e a resposta é quase óbvia:

– Tudo muito legal, mas cadê a parte que vai falar do rosa, minha cor preferida? – perguntou cheia de razão.

É, meninas. E Elis é um belo exemplar delas. Para salvar a pátria, já que no livro o rosa ficou misturado ao vermelho, apareceu uma sereia. Pronto, pensei, Elis vai se entregar ao belo trabalho da escritora que também é quem ilustra os versos, já que adora histórias com sereias. Quer dizer, adorava, a maturidade dos seus cinco anos tiraram um pouco a graça do encanto pela mulher com calda de peixe.

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– Mãe, sereias só existem nas lendas! – me disse.

Para encerrar, leio o trecho que mais gostei e fico feliz ao ver que ele também agradou minha pequena flor cor-de-rosa:

“A escuridão do oceano,

de um azul denso e profundo,

é como um imenso pano

vestindo a areia do fundo”.

Aquarela. De Janaína Tokitaka. Editora Brinque-Book. 24 págs. R$ 28,70 (preço médio). Indicação: cinco a oito anos

Leitura animal

Cris Cordioli

Os olhinhos negros e atentos de uma pequena menina de apenas cinco anos não descolaram de uma só página do livro QBarato (ou a Metamorfose!), de Guto Lins. Ela ainda não sabe ler, mas já ensaia unir letras com maestria.

– É o alfabeto dos bichos, mamãe!

Pequenos versos, cada um falando de um bichinho cujo nome começa com uma letra diferente, todos listados em ordem alfabética, prendiam a atenção de Elis e arrancavam comentários lúdicos e soltos. Com ilustrações divertidas, cumpre seu papel de exemplar da literatura infantil. Lemos, relemos e, quando questionada se havia gostado, a miúda até se permitiu inventar uma nova palavrinha para este mundão de letras que formam muitas frases.

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– É um piadão – me disse, sem pensar muito.

– Piadão? – perguntei.

– Sim, quer dizer muito engraçado, mãe. Sabe que o moço que escreveu esse livrinho come moscas? – afirmou, me deixando tonta.

– Como assim, filha? – falei.

– Meu pai leu a história do escritor, lá da última página, e estava escrito que ele come moscas. Foi a parte que eu mais gostei. Foi demais!

Na hora, a figura do escritor dedicado surgiu entre nós. Pobre Guto Lins. Deve ter perdido noites pensando nos versos e nos bichos. Com tudo pronto, dono da obra, resolveu escrever uma descrição divertida de sua pessoa. O texto biográfico começa assim: “Guto Lins é um cara que só come moscas quando está distraído…”.

Nessas ganhou minha filha. Simples assim.

QBarato (ou a metamorfose!). De Guto Lins. Editora Globinho. 32 págs. R$ 36 (preço médio). Indicação: cinco a oito anos

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