Exemplos de histórias de pais separados vêm e vão todos os dias. Jornalista, Marcelo Carneiro da Cunha acaba de lançar o livro Nem Pensar para dividir com os leitores os desafios de manter uma família unida em pleno século 21. Abaixo, publicamos um relato do autor sobre a obra e sobre o que pensa do atual perfil de pais, mães e filhos.

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“Para mim, fatos corriqueiros são como uma gripe, eventos devastadores que, por serem mais ou menos comuns, não nos permitem agir como se eles fossem o que eles realmente são: devastadores.

Assim, Nem Pensar é um livro sobre um garoto diante de um devastador fato corriqueiro, que é a desconstrução de um mundo, do único mundo que o menino conheceu até agora. Não que isso não possa ter seus efeitos positivos, assim como a Revolução Francesa, algo nada corriqueiro, trouxe efeitos devastadores para muitas pessoas que apenas passavam pelo local, mas também trouxe o efeito altamente positivo de terminar com o feudalismo e nos trazer até Napoleão.

Lito não está pensando nisso, no livro. Ele quer o pai e a mãe e juntos, como era antes. Ele quer colocar um bandeide no mundo dele, e seguir em frente. Ao fazer o que quer, se envolver no drama corriqueiro dos pais, ele, naturalmente, muda.

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Não existe bandeide, não existe retorno nos mundos que se rompem.

E uma coisa que impele Lito, não é apenas o fato de ele querer o pai e a mãe juntos, mas o fato de ele não querer outros pais e mães entrando em cena. Porque esse é um fenômeno recorrente nas famílias do século 21: a pluralidade de pais e mães. Um garoto hoje, tem todas as chances de passar por vários, no curso de sua vida.

Os heróis modernos, como Peter Pan, Pedrinho e Narizinho, Emília e o Visconde, eram heróis desprovidos de pais e mães. Na Revolução Industrial da modernidade, o essencial era romper com a tradição. Pais e mães representam a tradição, portanto, atrapalhavam a vida dos heróis modernos.

Os heróis contemporâneos, os meninos e meninas de hoje, precisam lidar com um mundo ao contrário, cheio de pais e mães, na forma do pai e mãe biológico que naturalmente têm, e dos futuros namorados, namoradas, maridos e esposas que seus pais biológicos irão ter, quando retomarem suas vidas amorosas, 18 meses depois da separação para os homens, algo como 34 meses para as mulheres, se não me engano e estatísticas servirem para alguma coisa.

Tudo isso é consequência das transformações nada corriqueiras pelas quais o mundo passou no século 20, da ascensão das mulheres à condição de protagonistas sociais e econômicos, da autonomia que conquistaram e que as transformou em seres dotados de movimento. Esse movimento, como o dos homens, leva a todos os seres dotados dessa capacidade a se moverem para fora dos seus casamentos, por conta de um outro conceito: o da busca da felicidade.

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E o resultado é que, num mundo de famílias filho-cêntricas (outra mudança dramática dos nossos tempos – uma vez que no MEU tempo de criança, criança não mandava em nada), no qual os filhos definem o cotidiano dos pais, fora do mundo do trabalho, exatamente nesse componente central, a escolha dos pais em permanecerem juntos ou se separarem, filhos, mesmo que influenciem a decisão adulta, não mandam nada. Isso é o que Lito, personagem do meu livro, descobre.

O que não o impede de tentar repor as peças nos seus lugares de origem, pai e mãe dentro de casa, ele no meio. Nesse projeto, ele é auxiliado por uma nova vizinha, Manu, uma menina da sua idade, filha de uma psicanalista.

Esses dois mini Sancho Pança e Dom Quixote contemporâneos vão investir contra os moinhos de vento dos nossos tempos, que colocou homens e mulheres na impossível tarefa de serem maridos, mulheres, amantes, amigos, colegas de trabalho, parceiros de construção de algo estável como uma família, num mundo, por definição e exigências, instável.

Esse é o século 21, no qual precisamos viver, no qual Lito precisa se achar, todos precisamos achar um jeito de nos mantermos em movimento, felizes na medida do possível, juntos, quando der. Porque – em um novo paradoxo -, em um mundo cheio de tanto movimento, o centro, o núcleo no qual a nossa importância é permanente, ao menos porque nos amamos uns aos outros dentro dele, é, cada vez mais, a família.

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Lidar com essa contradição é a nossa missão, nada corriqueira, pintada com tintas de corriqueiro. Esperam de nós o impossível, como esperavam de um soldado nas trincheiras. “Vão lá fora e liquidem o inimigo”, nos dizem, sem ressaltarem o fato de que o inimigo tem metralhadoras e muito mais chances de liquidar conosco do que nós a eles.

Mas eles mandam, a vida manda, e, então, a gente vai.”