1846. Depois de 10 anos de luta contra o Império, a Província está pacificada. Nasce em Porto Alegre, filho de pai francês e mãe uruguaia, Eduardo Palassim Guinle, patriarca de uma dinastia que ganhará fama internacional, por conta de suas iniciativas empresariais, seu dinheiro e, também, suas extravagâncias.

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O começo de tudo foi a associação que Eduardo fez com o gaúcho Cândido Gaffrée, de Bagé, numa loja no Rio de Janeiro. Sucesso com a ampliação dos negócios: estradas de ferro, investimentos imobiliários, proximidade dos governos e, joia da coroa, a construção do porto de Santos, foram ações que os transformaram em milionários. Um neto de Eduardo, Jorginho Guinle, municiará o noticiário mundano com seu esbanjamento e seus inúmeros casos amorosos, que incluirão estrelas de Hollywood. Depois, foi a decadência. Jorginho morrerá pobre. A atual geração vive do resultado de seu trabalho.

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Essa história está contada no livro de Clóvis Bulcão, Os Guinle – A História de uma Dinastia (Intrínseca, 256 páginas, R$ 30). O autor tem bons antecedentes literários, com um romance e várias obras de não ficção. Lemos este livro dos Guinle como se fosse um romance cheio de episódios rocambolescos e muita ação; não que isso dê qualidade a um texto: os episódios precisam ser bem narrados. E é o que acontece. Clóvis Bulcão não abdica da arte, e, neste sentido, é notável a saborosa leitura da cena que um filho de Eduardo protagoniza em Paris, com direito à destruição da suíte imperial do Ritz, garrafas de champanha quebradas pelo chão, escândalo de uma amante alemã, aluguel de um trem especial para encontrá-la, e, por fim, a compra da joia mais cara da Maison Cartier para reconquistar as graças da dama.

Carlos Guinle e Getulio Vargas, ambos à esquerda, na inauguração da estrada Itaipava-Petrópolis (Crédito da foto: Fundação Getulio Vargas – CPDOC)

O que disse agora pode parecer obra de um curioso dos faits-divers da alta burguesia brasileira; é muito mais, pois, à arte, Bulcão soma o rigor: o livro vem acompanhado de numerosa bibliografia e consulta a textos primários, a que se somam entrevistas e depoimentos. São anos de trabalho. Para dar a dimensão da acuidade do autor – e da multiplicidade de pessoas e circunstâncias relacionadas aos Guinle -, percorra-se o útil índice onomástico, que traz entradas como o rei Afonso 13 da Espanha, Ava Gardner, Getúlio Vargas, Elisabeth 2ª, Roosevelt, Assis Chateaubriand, Nelson Rockefeller, Salvador Dalí, Joseph Kennedy, Stravinsky, Villa-Lobos, Edit Piaf, Marylin Monroe, Pixinguinha.

Estádio do Fluminense em construção, iniciativa de Arnaldo Guinle (Crédito da foto: Flumemória)

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Essa variedade humana, que mostra bem o poder e a onipresença dos Guinle, é, também, a legenda de uma era. Um livro para ser lido com gosto, e não somente pelo texto, mas também pelas impressionantes – e algumas, divertidas – fotos de época.

*Luiz Antonio de Assis Brasil é escritor, autor de Cães da Província e Figura na Sombra, entre outros

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