Diego Velázquez recorreu à elegância do preto e prata e suas sutis tonalidades para vestir a corte espanhola no casamento da infanta Maria Teresa com Luís XIV, rei da França, em 1660. Os franceses, adornados em tons de vermelho, impressionaram-se com o bom gosto dos espanhóis, apesar da cor preta simbolizar simplicidade. Velázquez, pintor de As Meninas, era o mestre de cerimônias do palácio e imprimiu sua genialidade também na criação das vestes da realeza.
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Séculos depois, em 1907, o austríaco Gustav Klimt, no quadro Retrato de Adele Bloch-Bauer, priorizou a vestimenta, inspirada nos mosaicos de Ravena, em detrimento das feições ou da graciosidade do movimento da mulher.
Os dois episódios ilustram a relação de longa data e o intercâmbio permanente entre moda e arte. Nos últimos quatro séculos, desde o Renascimento, o vestuário passou de elemento complementar em pinturas e esculturas a importante protagonista no cenário artístico, indo além das passarelas: invadiu bienais e museus como instalações e performances artísticas. É este o tema de Roupa de Artista – O Vestuário na Obra de Arte, livro em edição bilíngue da historiadora Cacilda Teixeira da Costa e o presente escolhido pelo governador José Serra para homenagear a diva do pop Madonna, em recente passagem pelo país.
– O casamento da infanta Maria Teresa com Luís XIV é um marco da relação entre moda e arte. A França vinha colorida e, para a corte espanhola não ficar diminuída, Velázquez a vestiu toda de preto, prata, rendas, joias e pérolas. O resultado foi considerado mais elegante e de bom gosto do que as vestes dos franceses – conta Cacilda, historiadora de arte pela Universidade de São Paulo.
Embora o livro não se aprofunde nas técnicas de pintura para retratar detalhes de tecidos, texturas e drapeados ou na evolução da costura, a narrativa de Cacilda reúne fatos históricos que permitem compreender a representação do vestuário nos principais movimentos da história da arte. Passando por Ticiano, Michelangelo – em que o brilho das vestes de A Pietá acentua a dramaticidade da cena – entre dezenas de outros, Roupa de Artista chega a Flávio de Carvalho, artista brasileiro que pensava a roupa sob prisma antropológico, percebendo-a como hábito inventado pelo ser humano, não uma necessidade.
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O ícone Coco Chanel foi contemplada no livro, mas para registrar um momento em que moda e arte se distanciaram. Ela e outros estilistas do início do século 20 orientavam suas criações para o consumo.
– Roland Barthes define a moda como uma novidade que se repete, que é imitada. Moda e arte têm raiz comum no DNA, mas, ao longo do tempo, a intenção artística se diferenciou: enquanto a moda é mais ligada à indústria e ao consumo, a intenção do artista é expressar os extratos mais profundos do conhecimento e da sensibilidade humana – finaliza a historiadora.