Em 29 de maio de 2008, a foto de índios nus, cobertos de tinta para a guerra e apontando flechas gigantescas para uma aeronave que sobrevoava a Amazônia, ganhou as principais páginas dos jornais de todo o planeta – inclusive Zero Hora. Tirados na fronteira do Acre com o Peru, os retratos são talvez o maior flagrante de tribos isoladas no seu primeiro contato com o mundo dos brancos. Mostram indígenas que provavelmente nunca tinham visto um avião, nunca se entrosaram com gente de outras raças, jamais ouviram falar de cidades ou sequer sabem que estão no Brasil e que isto é, hoje, um país.

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Sim, índios isolados ainda existem. E há quem cuide deles, se preocupe com eles e permita que eles continuem assim: afastados das cidades, do homem branco, das suas doenças, da sua letalidade e, até mesmo, de suas conquistas científicas. Que permaneçam como são, do jeito que aprenderam, para que sua cultura não seja extinta ao ser assimilada pela hegemônica civilização urbana. Os encarregados de zelar pela integridade dos povos indígenas desconhecidos da Amazônia são as Frentes de Contato, esquadrões pioneiros da Fundação Nacional do Índio (Funai). E é sobre o trabalho desses guardiões da selva – ou dos “selvagens”, como preferem chamar aqueles que os desprezam – que trata o livro O Último da Tribo (Companhia das Letras, 272 páginas).

O livro, que acaba de chegar às livrarias, é uma aposta e uma guinada na vida do jornalista norte-americano Monte Reel. Correspondente do Washington Post para a América do Sul entre 2004 e 2008, o repórter largou o conforto do emprego em Buenos Aires para mergulhar na selva. Retornou, anos depois, com o emocionante relato da epopeia para salvar um índio isolado na Amazônia.

Mais do que o relato da busca por um sobrevivente – o índio seria o único que restou após o massacre da sua tribo por garimpeiros -, o livro é um compêndio sobre relações humanas. Reel passou meses entrevistando antropólogos, sertanistas, madeireiros, garimpeiros, advogados e índios nas violentas fronteiras amazônicas. Mostra a tensão constante provocada pela expansão agrícola e mineradora, a pureza um tanto ingênua dos que tentam manter a floresta intacta, a estratégica omissão dos governos. E também a rotina perigosa dos que buscam preservar os índios, muitas vezes alvo daqueles a quem tentam proteger (dezenas de sertanistas foram mortos pelas tribos em um século). Ao concluir a leitura, não há como deixar de lembrar a carta-resposta de um chefe indígena Seattle, indignado com o massacre de búfalos, ao presidente dos EUA Franklin Pearce, em 1854. Como o Seattle, questionamos: afinal, quem são os selvagens?

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