Há 90 anos, o Theatro Municipal de São Paulo preparava-se para receber um evento que se tornou um mito cercado de polêmicas, para sempre inscrito na história da cultura brasileira.

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A ideia da Semana de Arte Moderna, realizada entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, era instaurar-se como marco de transformação e ruptura. Nada como nove décadas para colocar o evento em perspectiva e analisar suas contradições.

Em 1922 – A Semana que Não Terminou (Companhia das Letras), Marcos Augusto Gonçalves, editorialista e repórter da Folha de S.Paulo, investiga a gênese do movimento, recupera momentos-chave e traça o perfil de seus mentores com riqueza de detalhes e vasta pesquisa iconográfica.

Fruto de três anos de pesquisa, o livro cobre um período que vai da virada do século a 1923 e mostra que o modernismo no Brasil começou antes de 1922. Nele são descritos os encontros festivos na “garçonnière” de Oswald de Andrade, a formação cristã de Mário e a pena inclemente de Monteiro Lobato, que, em crítica à exposição de Anita Malfatti, em 1917, comparou a arte moderna a desenhos que ornam os manicômios.

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Na Semana de 22, pela primeira vez a plateia paulista ouviu a música de Villa-Lobos. Oswald e Mário foram recebidos com um coro de vaias – mas muitos pesquisadores supõem que estas teriam sido orquestradas pelos organizadores do evento, para causar furor.

Com uma abordagem jornalística, 1922 tem o mérito de reunir informações de bastidores em uma narrativa fluente. Não se propõe a trazer novas descobertas (embora reserve algumas), mas sim a contar boas histórias. Por exemplo: mostra como os artistas foram convidados sem muito critério, às pressas, para o evento, e que muitas das obras apresentadas conectavam-se à tradição que pretendiam confrontar.

– Foi uma espécie de “modernismo de compromisso”, em que predominou o tom conciliatório. Tendências antagônicas, como a presença da pianista Guiomar Novaes, que não tinha relação com os modernistas, conviviam no mesmo programa – diz Gonçalves.

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O episódio histórico e seu contexto

Noventa anos depois, hoje se sabe que a realização da Semana de 22 foi também produto dos interesses da elite cafeeira.

– São Paulo detinha o poder econômico e político e buscava uma expressão cultural da mesma dimensão. Tratava-se de um projeto de Brasil. Era o modernismo “plantation” – diz Marcos Augusto Gonçalves, autor de 1922.

Nesse sentido, a figura de Paulo Prado, que patrocinou a Semana de 22, é emblemática. Carlos Augusto Calil, secretário municipal de cultura e organizador de Retrato do Brasil (Companhia das Letras), de autoria de Paulo Prado (e lançado originalmente em 1928), refere-se a ele como um homem de negócios erudito que via seu país mãos de uma classe política incompetente:

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– Rico e viajado, ele se entediava na São Paulo provinciana.

Para Nicolau Sevcenko, professor de história da cultura na USP e da Universidade de Harvard, nos EUA, o contexto econômico da época é fundamental para se compreender a Semana: o preço do café, principal motor da locomotiva paulista até então, estava desabando após o fim da I Guerra Mundial (1914 -1918).

– Havia uma luta pela sobrevivência simbólica da elite em decadência – explica. – E os modernistas de 1922 nunca quiseram romper com o status quo. Polarizavam, mas sem querer solapar.

Eis a surpresa: a Semana se apresenta como uma revolução e converte-se em mito na historiografia oficial. Mas, com distanciamento crítico, é possível relativizá-la.

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1922

Marcos Augusto Gonçalves

Histórias e bastidores da Semana de 22. Companhia das Letras, 368 páginas, R$ 49