Há cerca de um mês, o arquiteto Mário Cezar da Silveira, 61 anos, recebeu mensagem de uma moradora de Porto Alegre o perguntando como poderia adquirir seu livro. O joinvilense estranhou: a.C. …Antes da Carolina, d.C.…Depois da Carolina foi lançado em junho do ano passado, durante a Feira do Livro da cidade, e não chegou a ser distribuído em livrarias nem foi divulgado nacionalmente, apenas nas palestras sobre acessibilidade que o profissional oferece na região. A mulher, então, explicou. Ela havia visto a obra no programa Big Brother Brasil, da Rede Globo, e ficou curiosa para conhecer o conteúdo.

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A resposta o intrigou ainda mais, mas seria apenas a primeira surpresa das últimas quatro semanas. Desde então, o livro de Mário Cezar apareceu no reality show com frequência, levando os espectadores a pesquisar sobre ele, a encontrar seu autor na redes sociais e a esgotarem os exemplares. Ao mesmo tempo, o joinvilense tentava descobrir como seu livro, lançado de forma independente, quase de forma descompromissada, podia ter ido parar na “casa mais vigiada do País”.

— O primeiro a aparecer com o livro foi o Kaysar, então a aposta era que ele tivesse o levado para o programa. Os participantes podem ir à biblioteca da Globo para escolher o que querem levar à casa e, talvez, o nome a.C/d.C tenha chamado sua atenção — imagina Mário.

Mesmo assim, ainda havia uma questão: de que forma a obra teria chegado à biblioteca da emissora? A essa, como ainda não tem nenhuma confirmação, ele responde com outro exercício de imaginação. Na Feira do Livro de Joinville do ano passado, a jornalista Miriam Leitão, o dramaturgo Walcyr Carrasco e o ator Lázaro Ramos participaram como convidados, e foram presenteados por Mário com uma obra — no caso de Lázaro, foram duas, com o pedido de que uma delas fosse entregue à apresentadora Fátima Bernardes.

— Imagino que um deles tenha doado o livro à biblioteca da Globo. De qualquer forma, foi uma providência divina que o levou ao programa — analisa o arquiteto.

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O destaque ficou ainda maior na semana passada, depois que as imagens da personal trainer Jéssica, de Florianópolis, lendo o livro foram exibidas na edição de quinta-feira, 15 de março. O público ficou intrigado porque, à primeira vista, a obra está de “cabeça para baixo”, já que o título e o nome do autor aparecem virados, e um registro do momento viralizou nas redes sociais em forma de piada.

A página que publicou a imagem originalmente tinha, apenas no Facebook, 48 mil curtidas e 24.127 compartilhamentos até as 15 horas de ontem. Portais de notícias e sites de jornais e revistas nacionais publicaram matéria sobre o fato. E Mário, que possuía apenas mais 120 exemplares de seu livro de estreia, viu estes se esgotarem: ontem, ele os enviou pelo correio para aqueles que realizaram o pedido primeiro. Uma encomenda já foi feita pela editora para que mais mil cópias sejam impressas para atender às novas solicitações.

— O livro foi feito assim mesmo para que o leitor precise virá-lo na metade da história para continuar a leitura. Isso, somado ao fato de que eu respondi ao autor da página explicando que Jéssica não estava errada, geraram essa comoção — diz Mário.

Trajetória de uma família

O livro que está fazendo sucesso entre os participantes do Big Brother Brasil conta a história de Mário a partir do momento em que conhece sua esposa, Célia, na Joinville dos anos 1980 e passa pelo nascimento da filha, Carolina. A felicidade com a chegada de um bebê na família é dividida, no entanto, com o fato de a criança ter nascido após apenas sete meses de gestação e ter faltado oxigênio no parto. Por isso, Carolina é triplégica: ela não tem nenhuma mobilidade nas pernas e pouca capacidade de movimentos na mão esquerda.

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Condicionado ao conhecimento e aos preconceitos sobre pessoas com deficiências da época, Mário demorou a aceitar as limitações da menina. Na obra, ele explica como venceu estes bloqueios e tornou-se um defensor dos direitos à pessoa com deficiência, enquanto a filha crescia enfrentando os desafios para educar-se e se tornar psicóloga. Hoje, aos 31 anos, ela é profissional concursada do Instituto Federal Catarinense e atua na unidade educacional de Araquari.

— Acredito que, por estarem em situações de tensão, sendo testados em seus limites, os “brothers” estejam gostando do livro por viverem essa identificação — analisa Mário.

Até agora, além de Kaysar e de Jéssica, a estudante de psicologia Gleici e a estudante de jornalismo Ana Clara também o leram dentro da casa. Curiosamente, aponta o arquiteto, que tornou-se “especialista” no programa nos últimos dias, são os favoritos a vencerem a 18ª edição do Big Brother Brasil. Quanto a Mário, a vitória chega a cada nova mensagem com curiosidade sobre o tema do livro e pedidos de encomendas.

— Não é por mim que comemoro este sucesso. Não sou um escritor. Escrevi a.C/d.C para falar sobre direitos, sobre acessibilidade, e para dividir essa história com outras famílias que precisam aprender a lidar com crianças com deficiência — afirma.

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