Um senhor veste jaqueta de lã, apesar do calor, e aguarda o ônibus passar. Uma mulher dorme, abraçada ao cachorro, em um banco da Praça XV. Pessoas conversam no ônibus, discutem heranças, contam pequenas mentiras. O barulho, a flor, o radinho de pilha, a fila no trânsito. Tudo vira crônica. Cenas que povoam o cotidiano da cidade e seus recantos, sem valor para a maioria, são um verdadeiro tesouro para o cronista.

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Norma Bruno, empresária e escritora nascida na Ilha, no Bairro Saco dos Limões, é autora de Cenas Urbanas e Outras Nem Tanto, livro em que reúne cerca de 70 crônicas e pequenos contos sobre uma Florianópolis que não costuma sair no jornal.

– Mas devia! – ressalva Norma.

A autora diz que, ao longo dos anos, foi colecionando cenas que via e ouvia no passeio pelas ruas de Florianópolis, até perceber que a “caixa de fotografias” – como ela chama a pasta onde reunia os relatos – dava um livro. Passou, então, a dar forma ao projeto, organizando os textos e dividindo os capítulos.

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Segundo ela, boa parte do livro aconteceu de fato. Outra parte mistura realidade com fantasia. Uma terceira, ainda, é totalmente inventada. É o caso da narrativas que se passa no bar do antigo Hotel Royal, hoje um prédio de escritórios no Centro de Florianópolis. O livro, lançado recentemente, também traz algumas microcrônicas – Na multidão: de repente, um rosto.

– É só andar pela rua, prestar atenção, e surge a ideia para uma crônica – conta Norma Bruno, para quem o cronista é um ser de vida fácil.

Afinal, o material para sua escrita está todo ali, à plena disposição. O autor da crônica extrai do banal seu significado mais pleno. Um gesto, um objeto, um estado de espírito no meio da multidão. Qualquer coisa pode esconder toda a alma de uma cidade. Basta saber olhar.

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Livro inspira sete telas

A cidade inspirou as crônicas. O livro inspirou pinturas em grafite. Thiago Furtado, 24 anos, conhecido como Valdi-Valdi, levou cerca de dois meses para esboçar e pintar sete telas. As peças foram expostas no dia do lançamento de Cenas Urbanas e Outras Nem Tanto, de Norma Bruno, em uma sala do Palácio Cruz e Sousa, e ilustram também estas páginas.

– Usei a linguagem do grafite, que é um pouco suja, para dar essa visão da rua e representar cenas do livro – explica Valdi-Valdi, que já trabalha com grafite há seis anos.

As telas foram criadas a pedido da autora, que identificou no grafite a melhor maneira de explorar visualmente o olhar urbano do livro. A partir das crônicas, o artista criou uma paleta de cores bem vivas para retratar os textos escritos por Norma – sem, no entanto, revelar o desfecho das histórias.

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Sobre o destino das telas, Valdi-Valdi diz que ainda não sabe ao certo. Uma delas será dada de presente para a escritora – falta escolher. Também surgiram propostas de compradores e galerias, interessados em alguns dos trabalhos. As demais serão reaproveitadas para outras pinturas.

– O grafite é um trabalho efêmero. Nos muros, por exemplo, vem alguém, pinta por cima e ele desaparece – conta o artista.

Nada mais adequado, ao que parece, para retratar as coisas breves e fugazes de que tratam as crônicas.

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