Tudo começou com uma insuspeita folha de parreira a cobrir o sexo de Adão. Os pré-históricos lançavam mão de fibras vegetais e de peles de animais; nos índios é notório o esmero com as pinturas corporais. Os drapeados das elites mesopotâmicas, o caimento dos vestidos gregos, as superfemininas estolas romanas, os plissados egípcios, a exuberância das vestimentas de muitas camadas das cortes europeias, imortalizadas em quadros na Renascença, tudo o que um dia foi moda – e que volta e meia reconhecemos nas coleções de estilistas contemporâneos – foi revisado pelo obsessivo pesquisador Marco Sabino.
Continua depois da publicidade
Saldo de três anos de um trabalho tão solitário quanto fatigante, História da Moda, o livro de arte de 416 páginas que está lançando (Editora Havana, R$ 150), traz como epígrafe: “O homem é o único animal que não se aceita como veio ao mundo”. Para além da necessidade de se proteger das intempéries, está a vontade de ser visto em sua individualidade, acredita.
“Estilo é algo que sempre existiu. Na Roma antiga, se não fosse na roupa, tinha o cabelo, o penteado ‘ninho de abelha’. Isso tudo é moda. O que nos faz querer mudar é a insatisfação”, avalia Sabino. “Se os homens da pré-história viam passar um animal de pele bonita, talvez quisessem trocar com a que usavam. São suposições. Não existe nada registrado. Mas pesquisei bastante e coloquei muito ‘talvez’. Não se pode ser categórico. Não estou fazendo apostila de escola.”
Ele próprio é um homem inquieto. Sempre foi menino observador e criativo a ponto de incluir nos contos fantásticos que escrevia, como mostra num caderno de páginas amareladas que guarda com todo o cuidado, detalhes do vestido da rainha feita personagem de seu castelo. Era “todo bordado a ouro com brilhantes”. Tinha à época dez anos.
Na hora de escolher a profissão, no entanto, foi em outra direção: medicina. Durante o curso na Universidade Federal do Rio, já fazia bijuterias para as colegas. Formado, não suportou a frustração de trabalhar em hospitais públicos sem recursos, e, contrariando a família, que até hoje pede ajuda ao ex-doutor, trocou o jaleco pelas vestes de estilista. O lado pesquisador se desenvolveu junto.
Continua depois da publicidade
Seu novo livro, que sucede Dicionário da Moda, de 2006, com 1.400 verbetes, tem 24 capítulos, sendo metade dedicado ao longo período que se inicia com as peles de mamutes e que se estende ao século 19, e sua busca pela simplicidade pós-Revolução Francesa.
Cada década do século 20 mereceu um capítulo, começando com os primórdios da indústria da moda, propiciada pelas máquinas da Revolução Industrial, a gradual liberação da mulher (com a abolição dos espartilhos, a invenção do biquíni, da minissaia, dos tecidos colados ao corpo), o ready-to-wear norte-americano dos anos 50, o advento dos designers superstars, de Chanel a Gianni Versace, Alexander McQueen e John Galliano.
Num apartamento pequeno em Ipanema, as publicações sobre moda, arte e história agrupam-se sobre mesas, em estantes, em pilhas a atravancar a porta de entrada. Isso porque a pesquisa para o seu livro já acabou – durante o processo, dormiam e acordavam espalhados.
O título abrangente indica o tamanho da ambição do projeto: explicar as transformações por que passou a indumentária humana até chegar às passarelas de hoje, a da moda e a do show biz. Trabalhou sem qualquer colaboração, nenhuma estagiária a lhe ajudar nas pesquisas dos bancos de dados, com o Getty Images e a Corbis, as mais usadas. No Brasil, como não há tamanha quantidade de informação sistematizada, ele recorreu a reportagens de revistas antigas, como O Cruzeiro, Fon-Fon e Manchete.
Continua depois da publicidade
A ideia era criar uma publicação-referência, tal qual se tornaram alguns livrões de sua estante principal, como 20.000 Years of Fashion The History of Costume and Personal Adornment, de François Bourcher, e Encyclopedia of Clothing and Fashion, de Valerie Steele. Só que o seu tem a moda brasileira incluída, dos vestidos à europeia da colônia às fashion weeks modernas, sobrevoando os anos 80, quando a grife Marco Sabino, hoje com peças vendidas só a conhecidos, desfilava no Rio.