Aos 60 anos, Milton Jaques Zanotto trocou a agitação de Joinville pela tranquilidade de Itapoá. Natural de Paraí, no Rio Grande do Sul, a decisão de trocar a maior cidade do estado, onde viveu por 23 anos, foi motivada pelo desejo de possuir uma casa na praia, sonho realizado há cerca de oito meses.

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O caso de Milton está longe de ser incomum. Itapoá lidera o crescimento populacional em Santa Catarina, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 29 de agosto.

Conforme a estimativa do Censo em 2000, Itapoá tinha 8.839 habitantes. Esse número mais que triplicou em 2022, chegando a 30.750, um aumento de 247,84% em 22 anos. Para se ter uma ideia, é como se cada habitante, que vivia na cidade no início do século 21, tivesse trazido mais três pessoas para morar nela até 2022. Ou ainda, se antes a população da cidade coubesse em um estádio de 8,8 mil lugares, agora seria necessário ampliar as arquibancadas quatro vezes para comportar os habitantes.

De acordo com a estimativa do IBGE para 2024, a população de Itapoá é de 34.546 habitantes, um aumento de 12,34% em apenas dois anos. De fato, é como se a história de Milton fosse semelhante a de mais de 26 mil pessoas que, desde 2000, saíram de outros municípios para viver na cidade mais ao norte do litoral de Santa Catarina.

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Fenômeno comum no Litoral de SC

Desde o Censo de 2000, Itapoá vivenciou um crescimento populacional impulsionado por uma série de fatores. Um deles foi o fenômeno comum ocorrido em grande parte do litoral de Santa Catarina. Dos municípios que registraram os maiores crescimentos no Estado em 24 anos, os 15 primeiros da lista tem praia ou estão localizados a até cinco quilômetros de distância do mar, como é o caso de Camboriú.

Ainda no Norte catarinense, Araquari e Barra Velha também experimentaram rápidos aumentos demográficos e complementam o “pódio” do IBGE em crescimento populacional no Estado. Araquari, que tinha 23.645 habitantes na estimativa do Censo de 2000, passou para 24.810 em 2010 e para 45.180 em 2022 — um crescimento de 82,11%. Segundo as estimativas, tem 50.178 em 2024, um crescimento de 11,06% desde 2022.

Os números da cidade ficam ainda mais significativos quando se observa que, entre as 15 cidades com maior estimativa de crescimento do Estado, apenas duas não estão no litoral: Araquari, no Norte, e Guatambú, no Oeste.

No caso de Barra Velha, a cidade tinha 15.530 habitantes na estimativa do Censo de 2000, passou para 22.386 em 2010 e saltou para 45.371 em 2022. Segundo a atualização do IBGE da estimativa populacional em 2024, a cidade conta agora com 50.730. Isso significa um crescimento de 11,81% entre 2022 e 2024. Já entre 2010 e 2022, o crescimento foi de 102,68%.

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— As empresas tendem a se instalar em regiões periféricas de Joinville, o que estimula o crescimento das cidades vizinhas, como Araquari. Essas cidades têm mais espaço para desenvolvimento — explica Eduardo Augusto Werneck Ribeiro, que é geógrafo e professor, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC).

Veja fotos da cidade

Estilo de vida e oportunidades de trabalho impulsionam crescimento

Diversos fenômenos podem explicar o crescimento populacional de cidades de Santa Catarina. Os números fazem parte de um movimento onde regiões litorâneas e áreas próximas ao mar se tornaram destinos preferidos para aqueles que desejam um outro estilo de vida. Municípios que antes eram pequenos e tranquilos passaram por transformações nas últimas décadas ao abrigar novos moradores.

Um dos locais que sentiu essa transformação foi Itapoá, localizada na divisa de Santa Catarina com o Paraná. Com 32 quilômetros de costa, a cidade oferece desde praias agitadas, ideais para surfe e pesca, até recantos tranquilos para quem busca sossego. A região é também rica em biodiversidade, com manguezais, Mata Atlântica preservada e pontos naturais, como a pedra localizada no centro do município, que emerge e submerge com as marés, e originou o nome da cidade: de origem indígena, que significa algo como “pedra que surge”. 

Além das belezas naturais, Itapoá abriga um porto moderno e estratégico, em operação desde 2011. O desenvolvimento da atividade portuária, inclusive, é citada pelo prefeito de Itapoá, Jonecir Soares (PL), como um fator que pode ter impulsionado o crescimento populacional.

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— A instalação do Porto Itapoá gerou milhares de empregos diretos e indiretos. Consequentemente, novos investidores foram atraídos em função da diversidade de oportunidades de negócios que surgiram. A vinda do porto colaborou para divulgar o nome da cidade para outras regiões do Brasil e até fora dele — afirma Jonecir Soares.

Desde que o porto entrou em operação, Itapoá saltou de 14.763 habitantes para uma estimativa de 34.546 em 2024 — crescimento de aproximadamente 133%. Outra atividade que se desenvolveu na região foi a construção civil, motivada por investimentos públicos e privados.

— É um impacto positivo o aparecimento de centenas de edifícios residenciais e comerciais. Diferente de muitos destinos litorâneos e turísticos que vivem de sazonalidade, Itapoá tem oferecido oportunidades de emprego promissoras e sustentáveis que trazem pessoas para criar raízes na cidade — disse o prefeito.

Também Araquari, situada um pouco mais para o interior, se destaca pelo desenvolvimento industrial. Localizada a 25 quilômetros de Joinville, maior cidade do estado, não possui praia, mas fica a menos de 20 quilômetros do Oceano Atlântico. A cidade está entre duas rodovias federais — a BR-280 e a BR-101.

Com mais de 5,5 mil CNPJs registrados, Araquari abriga diversos setores, desde montadoras a empresas de tecnologia. A cidade tem se tornado um polo de atração para grandes empresas, como a multinacional alemã BMW, a fábrica sul-coreana Hyosung, a empresa irlandesa Kingspan, e gigantes nacionais como Fortlev, Isoterm, e Aços Sampaio.

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Para o prefeito de Araquari, Clenilton Carlos Pereira (PSD), a gama de empregos tem impulsionado o crescimento populacional da cidade.

— A presença de empresas estrangeiras e campeãs nacionais em seus segmentos atrai pessoas em busca de oportunidades e qualidade de vida — disse Clenilton Pereira.

Neste ano, a prefeitura, inclusive, inaugurou uma sala em São Paulo (SP) para ser usada gratuitamente por empresários. O espaço tem objetivo de atrair novos negócios e investimentos para a cidade.

Já Barra Velha está situada a aproximadamente 130 quilômetros ao norte de Florianópolis, também na microrregião de Joinville. A cidade, que surgiu como uma vila de pescadores de baleia, possui sete praias em mais de 20 quilômetros de orla. 

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O secretário de Planejamento da prefeitura de Barra Velha, Marcelo Mauri da Cunha, atribui o crescimento populacional a uma combinação de fatores, entre eles a localização da cidade, as ofertas de emprego e o próprio crescimento da região. 

— As pessoas vêm trabalhar na região e se fixam na cidade. Com a industrialização, empresários e trabalhadores preferem morar em Barra Velha — explica o secretário.

Segundo ele, a valorização de Santa Catarina em termos de qualidade de vida tem atraído muitas pessoas de outros estados em busca de melhores condições de vida. Empresas como Transben Transportes, Havan e Cebrace, localizadas em Barra Velha, têm gerado empregos, o que, aliado ao crescimento da construção civil, tem fixado novos moradores na cidade. Para o secretário, a disponibilidade de terrenos e o baixo risco para investidores imobiliários também têm sido cruciais para o desenvolvimento de Barra Velha. 

— A cidade ainda possui muitos terrenos em locais nobres, com preços atrativos, proporcionando muitos negócios imobiliários, com destaque para grandes edifícios. Também, entendo que a cidade oferecerá, nos próximos anos, retorno financeiro pela valorização decorrentes de obras feitas — destaca Marcelo.

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Especialistas também concordam que o crescimento das cidades do Norte de Santa Catarina não é apenas uma coincidência, mas resultado de processos econômicos e sociais mais amplos. Eduardo Augusto Werneck Ribeiro, geógrafo e professor do Instituto Federal Catarinense, explica que o fenômeno da metropolização tem sido um dos principais motores desse crescimento.

— As empresas tendem a se instalar em regiões periféricas de Joinville, o que estimula o crescimento das cidades vizinhas, como Araquari. São pessoas que vão para trabalhar, essa população cresceu por conta do mercado de trabalho. Essas cidades têm mais espaço para desenvolvimento, o que facilita a expansão urbana e a criação de novos empreendimentos — afirma.

O geógrafo José Messias Bastos, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), complementa que o processo de “litoralização” da população catarinense também desempenha um papel importante. Segundo ele, a desindustrialização em outras regiões do Brasil fez com que o investimento em imóveis no litoral se tornasse uma alternativa segura para proteção do patrimônio. 

— A construção civil cresceu rapidamente, inclusive com a construção de edifícios com recordes de altura. Isso impulsionou o desenvolvimento das cidades litorâneas — explica.

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Além disso, os especialistas explicam que o crescimento industrial ao redor de Joinville continuou forte, atraindo investimentos significativos. Segundo eles, cidades como Barra Velha e Araquari criaram distritos industriais com incentivos que atraíram novas empresas e impulsionaram a economia local.

— É mais fácil você abrir um loteamento em Araquari do que abrir um loteamento em Joinville. Então, essa dinâmica faz com que essas cidades tenham mais empreendimentos para atender a massa trabalhadora — afirma o professor Werneck Ribeiro.

Prefeituras precisam investir para oferecer vagas em escolas e hospitais

O aumento populacional nas cidades do litoral de SC, apesar de ser um sintoma do crescimento econômico, traz consigo também importantes questões sociais. Mais moradores implicam em mais vagas em creches, escolas. Mais médicos em postos de saúde, mais carros nas ruas. Como as prefeituras de cidades, até então pequenas, devem lidar com esse cenário?

Um dos desafios para Araquari está na educação. O número de alunos matriculados nas escolas municipais mais que dobrou nos últimos cinco anos, passando de 3,6 mil em 2019 para cerca de 8 mil em 2024.

Para tentar manter a qualidade aliada a quantidade de alunos, a cidade investiu mais de R$ 12 milhões nos últimos anos em escolas municipais. Além disso, pretende investir outros R$ 12 milhões na construção de mais uma escola, para comportar os alunos. 

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— Quando uma cidade cresce, cresce também o desafio da equipe gestora. Já percebemos um aumento na demanda por serviços públicos nas áreas da saúde e educação — disse o prefeito Clenilton Carlos Pereira.

Ainda, o prefeito afirma que a cidade mantém aquilo que os mais de 26 mil novos habitantes, desde 2000, procuravam quando foram morar em Araquari: a qualidade de vida.

— A cidade mantém a característica de pacata e pequena. No fim do dia, é comum ver famílias brincando no parque, pessoas conversando na esquina ou andando com o celular na mão sem preocupação — afirma.

Em Itapoá, o trabalho da prefeitura está destacado em diversas funções para aguentar o crescimento populacional, desde a construção de hospital e novas escolas a possibilidade de “engordamento” em trechos da orla da praia.

—.Nossa preocupação não está em promover o crescimento aleatório ou até mesmo em sustentar a posição no ranking. O foco está em fomentar a evolução sustentável, equilibrada e consciente do município, garantindo que as pessoas usufruam de uma maior qualidade de vida — disse o prefeito Jonecir Soares.

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Mercado imobiliário se beneficia de alta demanda

No Estado, Itapoá, Araquari e Barra Velha lideram as maiores estimativas de crescimento populacional. Mas, na relação dos últimos dois anos, há outras cidades em crescimento significativo.

Na lista, Passo de Torres ocupa o quarto lugar, com 14.284 habitantes, e obteve um aumento de 10,75%, seguido de Bombinhas com 27.732 habitantes, um crescimento de 10,67%, e Porto Belo com 30.590 habitantes, representando um aumento de 10,48%. Balneário Gaivota, Palhoça, Camboriú, Garopaba, Guatambú, Tijucas, Itapema, Balneário Barra do Sul e Balneário Piçarras também apresentam crescimento expressivo, completando a lista, variando de 9,58% a 10,45% em relação a 2023.

Enquanto isso, o mercado aquecido, principalmente o imobiliário, busca formas de lucrar em meio à explosão. O movimento se beneficia da alta demanda por moradias em regiões que se tornaram atraentes para investidores e compradores. Stephane Domeneghini, diretora-executiva da FG Talls, empresa do Grupo FG, destaca que há maior demanda por imóveis na região.

— As pessoas estão em busca de qualidade de vida e valorização de suas propriedades. O crescimento populacional impulsiona o ecossistema urbano, trazendo como ponta final melhorias na infraestrutura e nos serviços das áreas em expansão pelo aumento da riqueza da região, o que é atraente para compradores de imóveis que buscam segurança, conforto e conveniência — disse.

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Com o aumento populacional e a crescente valorização imobiliária, o mercado de imóveis de luxo na região passou a atrair um público mais diversificado e exigente. O movimento reflete o reconhecimento da região como um dos principais destinos de luxo do Brasil.

De acordo com Jean Graciola, presidente da FG, a construtora pretende ofertar a novos moradores, das cidades do litoral, projetos de alto padrão, com foco na construção de arranha-céus de luxo.

— As pessoas querem imóveis confortáveis em regiões que ofereçam uma boa infraestrutura, segurança e proximidade com a natureza. Isso faz com que as cidades do litoral catarinense continuem atraindo novos moradores e investidores — afirmou.

População em SC cresceu quase 6% em 2024

Ainda conforme dados do IBGE, a população total de Santa Catarina é estimada em 8.058.441 habitantes em 2024. Isso representa um crescimento de 5,89% em comparação com o ano anterior, quando o estado tinha 7.610.361 moradores. 

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Em nível nacional, SC registrou o oitavo maior aumento populacional do país, e no Sul, superou o Rio Grande do Sul (3,19%) e o Paraná (3,32%). Assim, mantém a posição como o décimo estado mais populoso do Brasil.

Seja por maior qualidade de vida, o sonho de morar na beira da praia ou ofertas de empregos, os números indicam que Santa Catarina se prepara para receber mais pessoas como o Milton, que você conheceu no início da reportagem, nos próximos anos.

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