A história da dança em Joinville não nasceu em 1983 com a primeira apresentação do Festival de Dança; ou em 2000, com as primeiras lições dos professores russos às crianças brasileiras dentro da Escola Bolshoi. Ela estava presente nas barcas que trouxeram os imigrantes europeus que provocaram o nascimento da cidade a partir de 1851 e talvez a "Cidade da Dança" nunca tivesse acontecido se, há 169 anos, em meio às incertezas de mudar para uma terra desconhecida, os suíços, noruegueses e alemães não tivessem utilizado a arte como fonte de alívio para o medo e a saudade.

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Mesmo depois de 10 horas de trabalho de segunda a sábado, havia tempo e energia para os encontros nas sociedades culturais onde, depois dos espetáculos de teatro e de canto ensaiados e protagonizados pelos próprios colonos, esvaziava-se o salão para executar a "Polonaise".

Foi dentro de uma destas sociedades que cresceu Liselott Trinks, a primeira protagonista da dança de Joinville. No momento em que o balé clássico ainda chegava ao Brasil pelas mãos da bailarina russa Maria Olenewa, que abriu uma escola no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1927, Liselott ia à Alemanha para aprender com os artistas pioneiros da dança moderna, como Mary Wigman.

Tinha apenas 15 anos e, em 1929, já retornava a Joinville no papel de professora criativa e determinada, influenciando a produção cultural da região entre os anos 1930 e 1970. Ela continuou se correspondendo com os artistas europeus para trocar informações e conhecimento e, nos anos 1950, o coreógrafo e bailarino Harald Kreutzberg, que excursionava pelo mundo para difundir a dança moderna, passou um tempo em Joinville especialmente para visitá-la.

foto mostra meninas e meninos dos anos 1940 posando com figurinos de balé
Nos anos 1940, corpo de baile da Sociedade Harmonia Lyra apresentou “O Lago dos Cisnes” (Foto: Arquivo Pessoal)

O jornalista e pesquisador Joel Gehlen analisa que, ainda que não seja comprovado documentalmente, é possível que Joinville tenha sido o primeiro lugar do Brasil onde foi praticada a dança contemporânea.

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— Liselott a trouxe para Joinville no mesmo momento em que ainda estava em desenvolvimento na Alemanha. Ela sempre teve este espírito pesquisador. Montava grandes espetáculos que circulavam pelo Estado e iam também a Curitiba apresentar em teatros como o Álvaro de Carvalho e o Guaíra, o que era surpreendente, já que seu elenco era formado por bailarinas amadoras — explica ele.

Ainda que não pudesse fazer essa previsão, ela preparava a cidade para abrigar o mais importante festival de dança do país. Em uma época em que os festivais de dança ainda eram raros no Brasil, ela criou o primeiro evento do gênero sediado em Joinville. O Festival de Bailados de Joinville ocorreu entre os anos 1973 e 75, com grupos e escolas convidadas de outras cidades e com grandes espetáculos montados por Liselott, em uma espécie de encerramento de seu legado à cidade. Ela parou de atuar com a dança naquela mesma década e dedicou seus últimos anos de vida às aulas de ioga.

— Liselott já tinha essa percepção de que Joinville podia ser palco para a dança no Brasil. Seu trabalho fez com que a população entendesse e aderisse com facilidade à ideia de um grande evento de dança — analisa Gehlen — Além disso, na hora de montar figurinos e cenários de seus espetáculos, ela chamava pessoas da comunidade, em forma de mutirão. Isso o Festival veio a "copiar" depois, em seus primeiros anos: o espírito comunitário de Joinville.

foto mostra um bailarino e duas bailarinas em pose de dança em foto dos anos 1940
Nos anos 1940 e 50, os rapazes da cidade eram convocados a participarem dos espetáculos de dança, mesmo que não fizessem aulas de balé (Foto: Arquivo Histórico)

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