Após dois anos e quatro meses de um assassinato que acabou tendo desdobramentos em todo o Estado com ondas de atentados a ônibus nas ruas e unidades policiais, a Justiça decidiu mandar a júri popular as principais lideranças do crime organizado de Santa Catarina pela morte da agente penitenciária Deise Alves.
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Proferida na última quinta-feira pelo juiz Otávio José Minatto, da 1ª Vara Criminal de São José, na Grande Florianópolis, a sentença de pronúncia atinge os chefes da facção criminosa Primeiro Grupo Catarinense (PGC).
O magistrado determinou que, dos nove acusados inicialmente pelo assassinato de Deise, que era mulher do então diretor da Penitenciária de São Pedro de Alcântara Carlos Aves e foi morta por engano – o alvo dos criminosos era o diretor – cinco deverão ser julgados por homicídio qualificado em razão de haver materialidade e indícios suficientes de autoria.
Quatro deles são do chamado primeiro ministério do PGC, aqueles que decidem sobre execuções e outras ordens criminosas do bando.
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Eles foram apontados como os mandantes da morte pela Polícia Civil e Ministério Público e também devem ser julgados ainda por associação criminosa. São eles, Evandro Sérgio Silva, o Nego Evandro, Rudinei do Prado, o Derru, Adílio Ferreira, o Cartucho e Gian Carlos Kazmirsk, o Jango, presos há dois anos na Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte.
Marciano Carvalho dos Santos, o jovem acusado de atirar em Deise, também vai a julgamento por homicídio, mas não deverá responder por associação criminosa. Os cinco poderão recorrer no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
Em relação a três acusados o juiz não se convenceu da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, que são Fabrício da Rosa, Oldemar da Silva, o Mancha, e a advogada Fernanda Fleck Freitas.
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Com isso, eles não serão julgados pela morte de Deise, mas o juiz deverá julgá-los apenas pelo crime de associação criminosa. Não houve decisão sobre Rafael de Brito, o Shrek, também acusado de matar Deise e que está foragido – o processo o envolvendo foi desmembrado.
Os presos em Mossoró não poderão recorrer em liberdade, pois o juiz avaliou que “se tratam de acusados apontados como líderes da facção criminosa com maior capilaridade no Estado de Santa Catarina, possivelmente mandantes do crime homicídio qualificado de uma agente estatal”.
Já o réu Marciano, o suposto atirador, deverá continuar em liberdade até o julgamento. A data do julgamento não foi marcada nem foi decidido se os mandantes presos em Mossoró serão trazidos ao Estado no dia do júri.
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Punidade contra o crime organizado
A definição do júri popular aos líderes do Primeiro Grupo Catarinense (PGC) é mais uma etapa do que as autoridades policiais e sistema prisional avaliam como importante para o ciclo de punidade contra o crime organizado catarinense.
Embora as penas a que os chefes do bando tenham que cumprir já sejam altas por outros crimes pelos quais estão presos, o caso Deise Alves é considerado o estopim da violência deflagrada nas ruas.
A demora da sentença de pronúncia, antecedida por uma longa fase de depoimentos, alguns deles por videoconferência (os que estão em Mossoró) e outros de testemunhas protegidas que demandaram intensa segurança no Fórum de São José nos dias de audiências, também gerava receio de impunidade.
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Numa eventual condenação, fica ainda mais longe a chance de regredirem o regime e ganharem a chance de liberdade.
A Justiça também fez constar na sentença cartas e depoimentos que expressam associações dos criminosos com as piores e mais violentas facções do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC) de São Paulo e o Comando Vermelho (CV) do Rio de Janeiro.
O juiz também negou as teses de defesa dos advogados dos réus. Entre os argumentos, havia pedidos de nulidades da ação penal porque a videoconferência não permitiu o contato entre advogado e réu, porque o local do crime não foi preservado e o fato de uma testemunha ter identificado o autor do tiro por fotografia.
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Outra decisão do magistrado foi indeferir novo pedido para depoimento do ouvidor nacional dos direitos humanos, em Brasília, que vinha protelando o processo.
Vingança e morte por engano
– Insatisfeitos com o corte de regalias na Penitenciária de São Pedro de Alcântara, presos do PGC e articuladores das ideologias da facção decidiram matar o então diretor Carlos Alves. Até então, os criminosos controlavam a cadeia como a escala dos agentes e em qual pavimento trabalhariam. Alves também cortou fontes de receitas como comércio de cigarros e uma loteria que havia na prisão, além de separar os detentos por tempo de condenação e facção.
– Na noite de 26 de outubro de 2012, em uma moto e em um carro, três homens seguiram o Mégane preto de Carlos Alves até a residência dele. Quando o veículo estacionou, na frente da casa de um familiar, às 21h, no Bairro Roçado, a agente Deise Alves desceu e acabou sendo baleada.
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– Deise conseguiu reagir e acertou Marciano Carvalho dos Santos com um tiro na perna. Quando ele foi preso, apresentava o ferimento. O carro tinha película nos vidros e por isso o atirador não percebeu que não era Carlos Alves que estava dentro. A agente morreu com um tiro no coração por engano.
– Depois da morte da agente, no final de outubro, começou onda de ataques e atentados criminosos no Estado. Os crimes se intensificam em novembro de 2012 como uma retaliação do PGC a suposta tortura que presos sofreram na cadeia pela morte da agente.
– Em fevereiro de 2013, Santa Catarina voltou a enfrentar atentados. Nas duas ondas, foram mais de 170 ataques criminosos, entre ônibus queimados e tiros contra prédios públicos e automóveis.
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– Também em fevereiro de 2013, 40 líderes da facção foram transferidos para presídios federais. Na principal investigação feita até agora, pela Deic, 80 pessoas foram condenadas pelos atentados e as penas chegam a 1.049 anos.