O cemitério Jardim da Saudade, no Bairro Sulacap, Zona Oeste do Rio de Janeiro, abrigou 14 dos 31 enterros de policiais militares nos primeiros três meses de 2018. O espaço simboliza um contraste, pois fica em frente ao centro de formação dos PMs cariocas.

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– A gente nasce lá e morre aqui – resume uma policial que não quis se identificar.

Ela e outros centenas de policiais se reuniram no dia 13 de março para enterrar mais um colega de farda. Leonardo de Paula da Silva, 35 anos, morreu na Linha Amarela, próximo ao Complexo da Maré. O cabo De Paula, como era chamado na corporação, saiu do trabalho na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Chatuba e estava indo para casa quando foi morto em uma situação ainda em apuração pela Polícia Civil. Há suspeita de que ele teria sido identificado por traficantes após se envolver em acidente. Também não se descarta um arrastão como o motivador do crime.

O corpo do cabo foi levado para o sepultamento em meio a um corredor com 56 policiais militares. Acostumados a manter uma postura de seriedade, alguns servidores não resistiram ao momento e expressaram em lágrimas sua última homenagem ao colega. Familiares do policial estavam inconsoláveis. A mãe e a esposa dele foram amparadas por parentes. Apenas choravam. Uma sobrinha deixou o cemitério ao gritos:

– Não quero que meu tio fique sozinho, não, por favor!

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Uma colega do cabo lembra da posição de destaque dele dentro da corporação. A policial faz parte da equipe responsável por organizar as cerimônias de despedida. Porém, com De Paula havia um diferencial: ambos foram colegas de unidade:

– Uma das melhores pessoas que conheci – sentencia.

A rotina de ir aos enterros também faz parte do trabalho do capelão da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Valdemir Gonçalves. São 23 anos de corporação. Ele coordena as cerimônias evangélicas e contabiliza pelo menos dois sepultamentos por semana nos últimos meses.

– A gente ver um colega morto é um choque – lamenta o capelão.

Com uma rosa na mão, uma jovem moça de cabelos escuros e um camiseta com a foto de um homem passa despercebida entre o grupo que acompanha o velório. Ela prefere não se identificar, mas diz que está ali para visitar o túmulo do marido, outro ex-PM vítima da violência no Rio. Foi morto a tiros em 2015, na Cidade de Deus.

– A gente tinha três meses de casados. O melhor amigo dele ficou afastado três meses. Se morre, soldado, cabo, ninguém está nem aí – desabafou, enquanto segurava uma rosa vermelha na mão.

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Cenário em Santa Catarina é oposto ao que se vê no Rio

A última morte de um policial em serviço durante ação contra bandidos em Santa Catarina ocorreu em 2016. O soldado Vinicius Alexandre Gonçalves foi morto numa operação no Morro do Horácio, em Florianópolis.

Neste ano, quatro PMs da ativa morreram, mas em somente um dos casos o policial estava trabalhando. O caso ocorreu em Tubarão. Robson Mendonça de Lima, 36, se envolveu em acidente durante uma perseguição. No Rio, além das mortes de policiais, os homicídios de pessoas em ações das polícias cresceram 177% desde 2009. Em 2017, foram 1.124 casos. Em Santa Catarina, de 2011 para 2017 houve uma subida de 24%.

Presidente da Associação Nacional de Praças (Anaspra), Elisandro Lotin, enxerga explicações para as diferenças nos números dos dois Estados. Levantamento do governo federal e de grupos de estudos sobre os assassinatos de policiais indicam a suspeita de que parte das ocorrências tem envolvimento de pessoas também ligadas à corporação. Ou seja, há casos em que policiais matam policiais.

Como há milicianos na PM carioca, que são servidores corruptos integrantes também de grupos criminosos, o envolvimento de representantes da corporação no crime não estão totalmente descartados. Em Santa Catarina, por outro lado, não há informação da atuação de milícias.

– Outro fator importante é que o policial no Rio de Janeiro muitas vezes mora ao lado do traficante nas comunidades e acaba executado. E depois disso, para piorar, a família fica desamparada, não há apoio do Estado. Quem dá esse auxílio é a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa – relata Lotin.

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 **** BLOQUEADO O USO ATÉ A PUBLICAÇÃO DA REPORTAGEM ****RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL:O coronel da Polícia Militar Luís Cláudio Laviano, de 49 anos, tomou posse  como comandante geral da Policia Militar do Rio de Janeiro. Em seu discurso de posse, o coronel afirmou que os policiais não são culpados pelo aumento da violência apesar de possíveis desvios na tropa.Serão dias de muito trabalho. Problemas têm dono. Policial honre a sua farda, levante a cabeça. A Polícia Militar não é formada apenas por santos, mas é a instituição que está na linha de frente., afirmou o coronel. (Foto: Diorgenes Pandini/Diário Catarinense)Indexador: Diorgenes Pandini
Média salarial de um soldado carioca é de R$ 2,5 mil Foto: Diorgenes Pandini / Diario Catarinense

Diferenças nas condições trabalhistas das PMs

As condições trabalhistas são outro ponto de diferença entre as funções de policial militar no Rio e em SC. A média salarial de um soldado carioca é de R$ 2,5 mil, enquanto entre os catarinenses chega a R$ 4,9 mil. Além disso, a carga horária também é distinta: no RJ os servidores trabalham 24 horas e folgam 72 horas. Já em SC a escala é de 12 horas de atuação para 24 horas de descanso e, em alguns casos, 48 horas.

– Exigir que alguém fique 24 horas atento num Estado como o Rio de Janeiro é de uma precipitação sem tamanho. Não tem como. É absurdo trabalhar 24 horas seguidas – critica o presidente da Anaspra.

A morte de pessoas em confronto com as polícias preocupa Lotin. Segundo ele, as políticas de segurança pública precisam ser alteradas. O especialista critica os métodos de enfrentamento aplicado e indica os trabalhos de inteligência como fundamentais para evitar os confrontos.

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Principais diferenças das condições de trabalhos das duas polícias:

Polícia Militar de Santa Catarina

Carga de trabalho média:
12 horas de trabalho por 48 horas de folga

Salário médio de um soldado:
R$ 4,9 mil

Escolaridade:
Com exigência de ensino superior para fazer concurso para soldado

Polícia Militar do Rio de Janeiro

Carga de trabalho média:
24 horas de trabalho por 72 horas de folga

Salário médio de um soldado:
R$ 2,5 mil

Escolaridade:
Sem exigência de ensino superior para fazer concurso para soldado

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