Em uma década, Joinville perdeu 1.322 vidas no trânsito. A média é de 11 mortes a cada mês. Dá quase um acidente fatal a cada três dias. A soma considera o período de 2004 a 2013 e inclui as mortes no perímetro urbano e nas rodovias estaduais e federais que cruzam a cidade.
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São dados da Secretaria do Estado da Saúde. As estatísticas revelam que em todos os anos o total de mortes passou de cem. Nunca a soma de mortes por homicídio, por exemplo, alcançou esse patamar em Joinville.
Os índices mostram um sobe e desce ao longo da década. Ou seja, não há causas concretas para o aumento ou a queda dos acidentes fatais. Nem mesmo o crescimento da frota, que dobrou no período, impactou diretamente nos números de mortes. Eram 167 mil veículos em 2004, enquanto o ano passado terminou com 344 mil automóveis em circulação.
O que as estatísticas reforçam é o perfil das vítimas: são, na maioria, homens e jovens. E a maior parte se acidenta sobre motocicletas. Segundo os dados da Saúde, oito a cada dez vítimas no trânsito de Joinville eram homens. Jovens, com idade entre 20 e 29 anos, representam uma em cada quatro mortes. Pelo menos três de cada dez vítimas estavam de motocicleta.
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– Cerca de 50% dos acidentes que atendemos envolvem motos. Seja por manobras de mudança de faixa, passagens forçadas pelos corredores. Em vez de seguir numa velocidade reduzida, muitos vão com tudo. É preciso ter mais prudência, manter distância do veículo da frente. Hoje, não se permitem mais erros – alerta o gerente de operações do Ittran, Marcelo Danner.
Por serem mais vulneráveis aos riscos do trânsito, o gerente de operações defende ações específicas com os motociclistas.
– Há pontos conhecidos em que as motos avançam no sinal fechado, por exemplo, como em frente ao Museu de Sambaqui nos horários de pico. Sabendo os locais e horários, deslocamos uma viatura e podemos reduzir o problema – aponta.
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O desrespeito às normas de trânsito, observa o gerente de operações, vai além. O uso das ciclovias e ciclofaixas, diz Marcelo, costuma ser evitado por parte dos ciclistas mesmo quando o espaço está à disposição. Outro problema são os carros e motos que invadem a área das bicicletas.
– Neste caso, não adianta haver a infraestrutura se o ciclista não usar ou estiver em risco. Aí entra a conscientização.
Pacto para reduzir índices
Baixar pela metade o número de vítimas no trânsito é uma meta do chamado Pacto Nacional pela Redução de Acidentes, que considera uma resolução da ONU para o período de 2011 a 2020. Em Joinville, a meta é objeto de trabalho de uma comissão formada por órgãos como as polícias Civil e Militar, além dos bombeiros e o Ittran.
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Na avaliação da gerente da Escola Pública de Trânsito de Joinville (Eptran), Ana Maria Dias da Costa, que também compõe a comissão, é possível reduzir as mortes pela metade, desde que com contínuo apoio do poder público e da iniciativa privada.
– Precisamos mais. Mas, se continuarmos com o apoio dos governantes e da classe empresarial, atingiremos a meta. Não adianta ficarmos só na utopia, precisamos ir para as ações. Por isso, é fundamental a parceria com o setor privado – destacou.
Investimentos em educação e fiscalização, na opinião da gerente, são parte da fórmula para mudar a realidade do trânsito em Joinville. Só ações de educação, defende Ana Maria, não bastam. Como exemplo, ela cita a exigência de cadeirinhas para crianças nos bancos traseiros.
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– Houve campanha massiva, mas ainda se veem muitas crianças que não estão sentadas como deveriam. Às vezes, não há o que fazer senão punir.
A principal aposta na Escola de Trânsito prevê resultados a médio e longo prazos. É orientando crianças que a entidade espera garantir bons motoristas no futuro.
Opinião
“Tragédias familiares e sofrimentos evitáveis”
“A dominação que o ser humano, na enorme maioria do sexo masculino, tem sobre o automóvel é fascinante. Ocorre uma estranha simbiose entre o ser e a máquina. Muitas vezes, até alguém de natureza tímida transforma-se na condução do automóvel, pois no seu controle entende-se não haver a necessidade de se relacionar com ninguém que está à sua volta; pode-se acelerar, ultrapassar, vencer obstáculos, “ser superior”.
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Este é um ingrediente de uma receita explosiva. Junte a isto uma boa dose de distração ao volante: conversa acalorada com acompanhantes, celular (maquininha cada vez mais cheia de atrativos), escolher o CD e mexer no som, procurar algo no console ou porta-luvas, enfim, inúmeras são as possibilidades, como também o GPS.
Outro ingrediente muito frequente é não contar, não levar em conta as situações previsíveis, como os buracos (cada vez em maior número em Joinville), o tráfego de pedestres ou ciclistas na borda da pista, a velocidade que os demais veículos imprimem para se calcular uma manobra de ingresso, conversão, mudança ou travessia de pista, por exemplo. Esta foi a primeira parte da receita.
A segunda diz respeito ao uso de bebida alcoólica, algo para lá de cultural. Fomos a um almoço de família, tomamos alguma coisa (pouco ou muito) alcoólica, nos sentimos lúcidos, vamos embora com a nossa família (imagina que eu vou deixar a mulher dirigir, se estou tão bem). Aí surge na minha frente aquela cratera, não tenho suficiente reflexo e acabo atropelando alguém ou causo uma colisão onde alguém, ou vários, se ferem ou falecem.
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No Juizado de Delitos de Trânsito de Joinville vemos tais situações diariamente, com uma frequência cada vez mais assustadora. No Brasil, o número de mortos anuais beira os 44 mil, quase o dobro do que na guerra civil da Síria. As tragédias familiares e pessoais, os sofrimentos, são indescritíveis. E perfeitamente evitáveis. O que se gasta na saúde pública, ou o que isso pode interferir em nossas contas pessoais, é de um tamanho que poucos têm noção.
Décio Menna Barreto de Araújo Filho
Juiz de direito do Juizado de Delitos de Trânsito de Joinville