Um raio X de todas as ocorrências atendidas pela Polícia Militar no ano passado, em Joinville, revela que a atenção dos bandidos se voltou com maior força para os chamados crimes contra o patrimônio, como furtos e assaltos a casas, pontos comerciais e veículos. São ocorrências que, por envolverem risco à vida e impactarem na sensação de insegurança, tiram o sono da PM. Gráficos comparativos do ano passado com períodos anteriores foram divulgados nesta terça.
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Mais do que compor um mapeamento dos crimes atendidos pela corporação, o balanço sustenta um diagnóstico: para o comando da Polícia Militar, a reincidência e as saídas temporárias de presidiários têm relação direta com o aumento nas estatísticas. A tese é de que um mesmo grupo de suspeitos, recorrentemente detidos e depois colocados de volta em liberdade, seria responsável por uma fatia generosa de todas as ocorrências registradas.
Pelos cálculos da PM, mais da metade das detenções praticadas após assaltos não teve sequência em prisão definitiva. A mesma base de dados indica que três de cada quatro detidos por furto também são soltos. E pelo menos oito a cada dez pessoas detidas por receptação ganham a liberdade após serem levadas à delegacia.
– Nossa resposta é rápida. O policial está cada vez mais próximo do conflito. Mas identificamos pessoas que cometem esses crimes diversas vezes ao ano. Há necessidade de uma melhoria no aporte legal – defende o major Jofrey Santos da Silva.
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Um quadro de suspeitos atualizado pelo 8º Batalhão da PM em Joinville (zona Norte) aponta 25 nomes com mais de 21 passagens recentes pela polícia (a conta não representa condenações), entre idas e vindas à cadeia. Um único homem lidera o levantamento com 56 passagens.
– É comum prendermos pessoas com mandados de prisão em aberto – completa o comandante do 8ºBPM, tenente-coronel Adilson Moreira.
O comando da PM também atribui uma parte dos crimes aos presidiários que têm direito a saídas temporárias. São detentos condenados, do regime semiaberto, que durante o ano podem ter até cinco saídas autorizadas pela Justiça.
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– Quem vive da violência precisa tomar um choque grande, passar por uma readaptação profunda, para voltar às ruas e fazer coisas diferentes – sustenta o major Jofrey.
Uma medida para minimizar as possibilidades de reincidência, aponta Moreira, é instituir um grupo de policiais apenas para monitorar detentos em saídas temporárias. A relação das drogas com o crime também é apontada pela polícia como um propulsor da violência. Um dos entendimentos é de que o combate ao tráfico pode provocar uma migração: sem o dinheiro da venda, o criminoso passa a atuar em furtos ou roubos.
Sobe e desce
Assaltos a comércio e casas, que ocorrem com uso de ameaça ou violência, aumentaram em pelo menos um terço no ano passado. Roubos de veículos, tomados à força, também aumentaram 25%. Assaltos contra pessoas subiram 15%. Ocorrências de furtos, em que o crime é praticado sem violência, saltaram nos casos de ações em casas e comércios.
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Por outro lado, a PM comemora a queda significativa nas estatísticas de crimes como as vias de fato (-36%), ameaça (-27%), perturbação (-20) e tentativa de homicídio (-20%). Homicídios, tráfico de drogas, furtoa de veículos (sem uso da força) e os registros de apreensão de armas pouco mudaram nos gráficos do ano passado no comparativo com 2012.


“É preciso cuidado com números”
Juiz com passagens por varas criminais de Joinville e hoje titular da Vara de Execuções Penais da cidade, João Marcos Buch entende que os delitos cometidos por presos em saídas temporárias e os crimes de grande violência praticados por reincidentes são exceções e não uma regra.
Dados oficiais de ocorrências, avalia o magistrado, podem ser questionados porque nem todos os crimes praticados são informados pela população e levados às autoridades. O julgamento de suspeitos, reforça Buch, é papel da Justiça. Há inúmeros casos, diz o juiz, em que testemunhas afirmam determinada autoria e depois mudam o relato em fase de audiência. As solturas, completa, também são decorrência de absolvições e de sentenças que, mesmo que condenatórias, implicam necessariamente penas alternativas.
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A Notícia – A Polícia Militar atribui a proporção de crimes, em parte, às saídas temporárias e à reincidência. O senhor concorda com essa avaliação?
João Marcos Buch – Discordo, porque vincular saídas temporárias com incrementos de furtos é atestar a incapacidade do Estado de acompanhar quem sai temporariamente da prisão. A PM tem dados de quem sai, cabe à polícia buscar esses dados. O detento que sai temporariamente não tem interesse em reincidir porque sabe que, se for flagrado, voltará e levará mais tempo para cumprir a pena. Nenhum detento que sai, visita a família e retorna no sétimo dia está propenso a praticar ato ilícito. Exceção é o crime organizado, que não trabalha com furtos, trabalha com assaltos.
AN -Fala-se em monitorar mais de perto os presos em saídas temporárias. É uma alternativa?
Buch – Esta atividade é própria da polícia junto à Secretaria de Justiça e Cidadania. O que não pode acontecer é uma caça às bruxas. Existem muitas outras necessidades que a polícia precisa apurar do que aquela pessoa que está em casa, com a família. É preciso respeitar direitos. Mas não há restrição nenhuma da Secretaria da Segurança Pública em manter contato com a Justiça e Cidadania com seus dados.
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AN – Há desconfiança de parte da sociedade quanto à permissão de saídas temporárias. Que critérios são considerados?
Buch – Para alcançar o regime semiaberto, o preso precisa ter cumprido um sexto da pena e ter bom comportamento. A saída é sempre presidida de um relatório de vida carcerária. O preso não pode estar sofrendo processo disciplinar, por desrespeito ou briga, e o direito fica suspenso até isto ser julgado. As saídas não ocorrem para crimes violentos, como contra a dignidade sexual. Nesses crimes, quando a pessoa conquista o direito, existe uma avaliação psiquiátrica e psicológica. Quando se dá o ok, posso avaliar. Há casos que, mesmo com o ok, aguardo e reavalio a possibilidade.
AN – Até onde vai o papel do Judiciário na libertação de um suspeito?
Buch – A PM faz o seu trabalho, de deter e encaminhar o suspeito ao delegado, que lavra o flagrante. Só quem pode dizer se é um caso de flagrante é o delegado. Depois, cabe ao juiz avaliar a legalidade da prisão. Em países como China, Rússia, Iraque e Irã, a pessoa espera presa pelo julgamento. No Brasil, não é essa a regra. Mas é importante se destacar que, só em Joinville, existem centenas de mandados de prisão expedidos pela Justiça. Essas ordens de prisão não são plenamente cumpridas. Então, entendo que é preciso ter cuidado com esses números.
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