Veja a análise do colunista de Zero Hora Roger Lerina sobre Leontina, filme chileno que concorre na categoria longa-metragem estrangeiro, e Insônia, representante gaúcho na disputa pelo Kikito de longa brasileiro. Ambos foram exibidos nesta terça-feira no Festival de Cinema de Gramado.

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Leontina

De Boris Peters

Como o título argentino exibido na noite anterior, o longa estrangeiro da competição na terça-feira também foi um documentário. O chileno Leontina (2012) acompanha o cotidiano de uma solitária octogenária que vive no sul do país – a avó do diretor, que dá nome ao filme. Leontina guarda um segredo que aos poucos vai sendo revelado: há 50 anos, o marido desapareceu a bordo de um barco – e desde então a decidida senhora nunca mais quis rever o vizinho mar.

O cineasta Boris Peters contrasta a domesticidade da casa da avó com a beleza selvagem das paisagens meridionais do Chile e a vastidão do mar. Tanto no detalhe quanto no plano geral, Leontina, o filme, procura extrair lirismo das imagens – a sensível direção de fotografia é um dos destaques da produção. Peters ousa – e acerta – ao literalmente desnudar a avó, filmando de perto a protagonista no banho, expondo na tela a ação do tempo em seu corpo. Essas cenas íntimas remetem aos retratos de despojada humanidade que caracterizam a pintura de Lucian Freud – e os closes de Leontina dormindo em um hospital assemelham-se aos desenhos da impressionante série Minha Mãe Morrendo, do artista brasileiro Flávio de Carvalho.

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O problema de Leontina é o excesso de gravidade que o autor pretende imprimir em sua obra: os planos são desnecessariamente longos e redundantes, o teor poético dos letreiros que legendam algumas cenas é ralo e o silêncio sugerido pela austeridade das imagens é violentado pela trilha sonora melodramática e reiterativa. Peters acaba entorpecendo seu filme pela overdose de solenidade.

Insônia

De Beto Souza

Representante gaúcho na disputa pelo Kikito de longa brasileiro, Insônia (2012) é o mais recente título da filmografia de Beto Souza. O diretor é veterano do Festival de Gramado, onde já exibiu Cerro do Jarau (2005), Dias e Noites (2008) e Enquanto a Noite Não Chega (2010) e levou o Prêmio Especial do Júri e o de Melhor Filme do Júri Popular com Netto Perde sua Alma (2001), codirigido por Tabajara Ruas.

Adaptação da novela homônima do escritor Marcelo Carneiro da Cunha, Insônia teve uma produção tumultuada: rodado em 2007, o filme só foi concluído agora, depois de passar pelas mãos de cinco roteiristas – o crédito de roteiro ficou como “criação coletiva”, com supervisão final do próprio autor da história literária.

Insônia é narrado a partir do ponto de vista de Cláudia (Lara Rodrigues), garota de 15 anos filha de argentinos que vive em Porto Alegre com o pai viúvo (o argentino Daniel Kusnieka, de filmes como Cavalos Selvagens e Cinzas no Paraíso, ambos do cineasta Marcelo Piñeyro). Ao mesmo tempo em que enfrenta as inseguranças e descobertas típicas da adolescência – principalmente em relação a amizade e sexo -, a protagonista vê na nova amiga Déa (Luana Piovani) uma possível companheira para o pai. Cláudia divide suas dúvidas e angústias com uma colega de escola (Larissa Resende) e um misterioso internauta que usa o pseudônimo Insônia.

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Voltado ao público juvenil, o longa utiliza recursos narrativos de olho na garotada, como as divertidas vinhetas em animação que invadem e comentam algumas sequências e os clipes poético-musicais que Insônia manda para Cláudia via internet. O filme, porém, patina às vezes no ritmo e tem sérios problemas de interpretação -o jovem ator argentino Nicolás Condito, por exemplo, é péssimo e compromete a credibilidade da história. A boa trilha sonora de Léo Henkin é excessivamente presente, como se a intenção fosse preencher com música o espaço dramático na tela.

Já a espontaneidade de Luana Piovani em cena é adequada ao papel, enquanto o frescor e a franqueza da jovem Lara Rodrigues empresta verdade a seu personagem e impõe-se inclusive a suas limitações de atriz iniciante. Buscando uma pegada tipo Malhação, Insônia não tem o perfil de “filme de festival”, mas pode encontrar seu caminho no emergente mercado brasileiro focado nas plateias teen, ao lado de títulos recentes como As Melhores Coisas do Mundo (2010) e Antes que o Mundo Acabe (2010) – igualmente baseado em um livro de Carneiro da Cunha.